#Leite amargo da natureza generosa

Share on twitter
Share on facebook
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

A terra é boa, em si plantando, tudo dá, tudo produz, já dizia Pero Vaz de Caminha, há mais de quinhentos anos, em carta a D. Emanuel, então, Rei de Portugal. Séculos passaram, a nação cultivada, entre as muitas vocações, a criação do gado, hoje pujante, muito ajudou na conquista, desbravamento dos sertões; no criatório, a carne, o couro, a produção de leite e derivados foram vitais í  segurança alimentar do sertanejo bandeirante. Rudimentar a princí­pio, gigantesca na conjuntura atual, subdividiu-se em duas: pecuária de corte e gado leiteiro, essa vem sendo espoliada, há muito, pela intermediação gananciosa; de sorte que, para beneficiar todos os elos da cadeia, mormente a geradora da produção, está a carecer de uma polí­tica leiteira como determina a lei, neste caso, o artigo 187 da magna Constituição. O que poderia ser prosperidade crescente aos produtores de leite, tanto pela sua disposição aguerrida, como pela generosidade da mãe natureza, clima, solo, reverteu-se em ama seca, leite amargo, portanto, madrasta sovina deles, pois a lucratividade vem beneficiando, ungindo, apenas, os laticí­nios. Com efeito, o processo anacrí´nico de comercialização, que se arrasta ao longo do tempo, protagonizado pela desunião e baixo grau de organização da classe, empanturrou a intermediação, tornando-a gananciosa, na atual conjuntura, liderada pela Nestlé, carro-chefe do cartel leiteiro. Essa situação se agrava, mais ainda, em virtude da grande produção, em relação ao consumo, bem abaixo do padrão recomendado pela FAO, organismo das Nações Unidas para a alimentação. Oportuno observar que esse baixo consumo se deve í  falta de divulgação, importí¢ncia do leite í  saúde humana, ingrediente indispensável no cardápio de uma boa, racional dieta alimentar; enquanto os refrigerantes víªm sendo consumidos, cada vez mais, alavancados pela propaganda comercial, o consumo de leite continua estagnado. No passado, tanto o baixo consumo como a escassez de produção levaram o Estado a tabelar o seu preço pela Sunab, extinta há um bom tempo; ela era um flagelo na vida do leiteiro, o baixo poder aquisitivo levou o governo a proteger mais o consumidor do que ele, tirados de leite. Essa proteção, de certa forma, continuou na Constituição cidadã de 1888, conforme determina o artigo 187: A Polí­tica Agrí­cola será planejada e executada na forma da lei, com a participação efetiva do setor de produção, envolvendo produtores e trabalhadores rurais, bem como dos setores de comercialização, de armazenamento e de transporte, levando em conta, especialmente: I – os instrumentos credití­cios e fiscais. II – Os preços compatí­veis com os custos de produção e a garantia de comercialização. III – Incentivo í  pesquisa e í  tecnologia. IV – Assistíªncia técnica e extensão rural. Como se pode observar, leitor, pelo enunciado e o que vem sendo praticado, o incentivo í  pecuária leiteira nunca aluiu do papel, a lei complementar nunca foi feita. Tratando-se de produto gravoso, altamente perecí­vel, sujeito a picos violentos de oferta em espaços curtos de tempo, para evitar a dominante especulação, pela intermediação, a alí­nea II teria que funcionar; funcionar mesmo: “Sed Lex Dura Lex”- a lei é dura mais é lei. Acontece que os produtores nunca foram instruí­dos para a vida polí­tica, o próprio liberalismo de ontem, perdido nas brumas do tempo, dispensou a democracia direta, o neoliberalismo atual também a ignora; marginalizada por ele, a comunidade rural está a carecer da orientação segura da rede de extensão, ora manietada pelo Estado. Essa, numa ação extra escola, começou a organizá-los: centenas de associações foram criadas, seus objetivos eram a venda da produção e compra de insumos essenciais, em conjunto. Para isso, tinha que motivá-los, instruí­-los, í  negociação. A prova de que o neoliberalismo não é autossuficiente, nunca funcionará a contento, sem a participação, controle da sociedade contribuinte, como acontecia na democracia direta, pode ser observada, ao longo de sua existíªncia, com a polí­tica de conluio dos governadores na velha república; subsequentes golpes militares ao longo da história. Quando o presidente Collor foi cassado, eclodiu o escí¢ndalo corruptivo dos Sete Anões do orçamento, o próprio presidente do Congresso que cassou Collor fazia parte dos sete anões, e para não ser cassado também, renunciou ao cargo, com a complacíªncia do próprio Congresso, num exemplo clássico de corporativismo. O mesmo aconteceu com outros presidentes da casa: Severino, Sarney, Renan Calheiros e acontece, atualmente, por falta de controle, participação da sociedade. A extinção da Embrater, órgão nacional de extensão, provocou o seu emperramento no Estado; a diní¢mica, eficácia perderam o lugar para a burocracia matreira, rabugenta. Por falta de polí­tica de incentivo, a mesa de negociação nunca funcionou; o preço do leite está sempre abaixo do custo, aviltante, de sorte que o programa de inclusão social se realiza í s avessas. Portanto, como a maior parte da produção é gerada pelos pequenos criadores e víªm eles vendendo o leite, resfriado, em média, por apenas, 0,75 centavos o litro, são descapitalizados; com isso, tanto a produção como a melhoria do rebanho definharam. Assim, em Uruaçu, a indústria de leite em pó, incentivada pelo governo, com dinheiro da sociedade contribuinte, parou de funcionar há mais de dois anos. Os criadores estão colocando reprodutores da raça nelore, no seu gado leiteiro, subtraindo a qualidade e, sem ela, a produtividade, emperrando o crescimento econí´mico regional. Historiando: o pensamento polí­tico pós-Iluminismo, liderado pelo liberalismo, substituiu a democracia direta praticada na Grécia antiga pela democracia indireta; contudo, procedeu dessa forma, alegando o tamanho das duas repúblicas recém- criadas: Estados Unidos da América do Norte e França, enormes, em relação í  cidade-estado grega, mormente, Atenas. A inspiração pegou e todas as repúblicas proclamadas, do Iluminismo aos nossos dias, são indiretas, representativas, de forma que manietaram a legendária participação direta da sociedade na vida polí­tica da comunidade, como fazia o cidadão, naquele tempo; mas agora é possí­vel combinar a democracia direta com a indireta, através de associações cí­vicas municipais, destinadas a controlar, fiscalizar os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário. Lutar pela polí­tica como a busca do bem-estar da comunidade, e não meio de vida, enriquecimento ilí­cito, dos maus gestores, constitui imperativo de todos os patrí­cios. Na atual conjuntura, nascido na esteira do liberalismo econí´mico, surge o neoliberalismo, de igual forma, dispensando a participação do cidadão na vida polí­tica do Estado, como fazia a democracia direta. Cabe então questionar, por conveniíªncia ou competíªncia? Se válida essa última, por que não faz cumprir a lei, no caso, o artigo 187 da carta magna, já que a lei agrí­cola, como muitas outras, nunca foi regulamentada, fixando uma polí­tica leiteira capaz de corrigir a injustiça social contra a classe, ordeira e laboriosa, todavia, marginalizada, dessa maneira, contrariando a tão modal polí­tica de inclusão social do governo. Eentretanto, aqui, não se trata de paternalismo, mas, sim, de torná-los, dignamente, agentes e beneficiários de seu trabalho abnegado. Não corrigir distorções de mercado dessa natureza, previstas pelo próprio liberalismo, significa governar na contramão da história.

(Josias Luiz Guimarães, veterinário pela UFMG – pós-graduado em Filosofia Polí­tica pela PUC-GO. Produtor Rural)
http://www.dm.com.br/texto/83441-leite-amargo-da-natureza-generosa

Mirá También

Así lo expresó Domingo Possetto, secretario de la seccional Rafaela, quien además, afirmó que a los productores «habitualmente los ignoran los gobiernos». Además, reconoció la labor de los empresarios de las firmas locales y aseguró que están «esperanzados» con la negociación entre SanCor y Adecoagro.

Te puede interesar

Notas
Relacionadas