Com um rebanho bovino de cerca de 13,59 milhões de cabeças, o Rio Grande do Sul avalia antecipar a retirada da vacinação contra a febre aftosa para 2019. O Estado faz parte do Bloco V, agendado para vacinar os animais pela última vez em 2021. A principal justificativa para se adiantar ao cronograma do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) é o de não se isolar na região, já que o Paraná, também integrante do grupo, pretende realizar a última etapa de vacinação em maio de 2019 e Santa Catarina já possui o status sanitário de livre de aftosa sem vacinação desde 2007.

“Queremos andar ao passo do Paraná. Nossa logística de avicultura e suinocultura ficará bastante complicada se não estivermos na mesma condição”, diz Antônio Carlos de Quadros Ferreira Neto, diretor do Departamento de Defesa Agropecuária da Secretaria da Agricultura do Estado (Seapi-RS). Segundo ele, há certa interdependência das indústrias paranaenses e catarinenses de aves e suínos com os animais produzidos no Estado, por isso a não antecipação poderia trazer repercussões econômicas negativas. “Já estamos longe dos mercados consumidores de São Paulo e Rio de Janeiro, imagina ilhados na ponta?”
Gedeão Silveira Pereira, presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul (Farsul) concorda que a antecipação do Paraná traz a necessidade do Estado avaliar se é possível seguir pelo mesmo caminho. “Mas não estamos trabalhando em cima de temporalidade. Vemos essa retirada com preocupação e responsabilidade, então precisamos antes ter condições de fazer isso”, diz. Apesar da importante relação comercial com os outros Estados do Sul, ele ressalta que é preciso considerar outros fluxos. “Também recebemos alguns cortes do Brasil central. Como vai ficar isso? Precisamos ver o que vai poder chegar depois da retirada”.
Para ele, algumas condições são essenciais nesse processo: a vigilância de fronteiras, portos e aeroportos; a existência de recursos para indenizações; treinamento de pessoal; banco de vacinas – e quem ficará responsável pelos recursos para reposição – e monitoramento da atividade viral. “Nesse último ponto estamos mais tranquilos, porque recomendam ter como sentinelas [unidades de controle sem vacinação] animais da mesma raça. E temos Santa Catarina ao lado, o que mostra que não há atividade viral nessa região do Brasil”.
Para Antônio Neto, o Estado tem condições de fazer a retirada antecipada da vacinação. “Temos estrutura e contamos com 384 médicos veterinários. O Estado tem 497 municípios e estamos presentes de forma direta em 468 deles, os outros são atendidos por escritórios vizinhos”, afirma. Neto também ressalta a digitalização do sistema de defesa como trunfo para esse processo. “Conseguimos fazer relatórios no momento da movimentação, sabemos de onde saiu, para onde foi, onde é feita cria, recria e engorda, índices de reprodução, etc”. Agora, além de apenas armazenar os dados, a secretaria, por meio do Grupo de Inteligência e Gestão do Agronegócio (Giga), está analisando essas informações para entender melhor o fluxo da pecuária de corte no Estado. “Saber as rotas de movimentação dos animais e os períodos pode nos ajudar a montar a estratégia de fiscalização, seja a nível de propriedade ou a nível de estrada”. Sobre as fronteiras internacionais, Neto conta que o trabalho vem sendo desenvolvido em conjunto com o Mapa, que é quem faz a fiscalização nessa esfera. O Rio Grande do Sul tem 400 km de fronteira seca com o Uruguai e mais 200 km pelo rio Uruguai, além da divisa com a Argentina, toda separada pelo curso de água.
Em relação a uma possível emergência sanitária após a retirada da vacinação, o diretor explica que o Estado tem feito treinamentos a cada dois anos para capacitar a equipe nesse sentido. Há também um depósito central de emergência sanitária em Cachoeira do Sul, no centro do Estado, para dar suporte a uma atuação rápida do serviço sanitário caso preciso. Ele também acredita que o Fundo de Desenvolvimento e Defesa Sanitária Animal (Fundesa-RS) (estimado em R$ 76,8 milhões em maio) seja o suficiente. O presidente da Farsul discorda e diz que são necessários recursos para além do fundo para indenizações em uma possível reaparição da doença.
Pereira também não é tão otimista sobre o impacto da retirada na abertura de mercados para a carne sul-rio-grandense. “Pode ser que ampliemos para um ou outro lugar, mas não acredito que vá abrir tanto espaço, porque os Estados Unidos, que são o mercado mais exigente do mundo, já aceitam carne de animais com vacinação. A vacina é uma tecnologia, um avanço”.vv

Processo

Em novembro de 2017, o serviço veterinário do Estado passou por auditoria do Mapa, que encontrou algumas inconformidades no sistema. De acordo com o diretor do Departamento de Defesa Agropecuária, um plano de ação para resolver essas questões foi desenhado e colocado em prática desde então. No mês passado, o Estado reiterou o pedido de uma inspeção específica do programa de febre aftosa ao ministério. Essa auditoria levantará os problemas existentes e indicar se é possível seguir no pleito de antecipação da retirada da vacinação.
Se o pleito for para frente, esta não será a primeira vez que o Estado tenta obter o status de livre sem vacinação. Como mostrou reportagem de capa da DBO de maio, o Rio Grande do Sul parou de imunizar o rebanho em 2000 e viu, nesse mesmo ano, surgir um caso isolado ao município de Jóia, que foi rapidamente controlado. Mas a doença também apareceu na Argentina, que escondeu o problema. O vírus se espalhou na região e gerou uma epidemia no Uruguai (2.057 focos e mais de 20.000 animais abatidos), chegando ao Rio Grande do Sul em 2001, que voltou a imunizar o rebanho.