O ano termina com aumento na produção de leite em praticamente todas as bacias do Estado. À primeira vista, parece contraditório, pois o sertão cearense enfrenta três anos seguidos de estiagem. A seca, entretanto, favoreceu o setor. Os produtores investiram em tecnologia, implantaram sistemas de irrigação e adquiriram bovinos de alta qualidade genética.
A preocupação é com a redução na compra do produto por laticínios que reafirmam para os criadores que está sobrando leite no mercado regional. Mais uma vez, os pequenos devem ser os primeiros atingidos com a medida. Dessa forma, o ano termina com duas realidades. Uma boa e outra ruim. Houve aumento de produção na bacia leiteira e a perspectiva é de redução na compra do produto.
Os financiamentos bancários, por meio de recursos do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) e do Fundo Constitucional de Desenvolvimento do Nordeste (FNE), para custeio e investimentos, viabilizaram a aquisição de gado de raça e a implantação de sistemas de irrigação, de pastejo rotacionado e de cultivo de milho, palma forrageira e capim. Os criadores passaram a fazer estoques de alimento para o período de estiagem.
O setor da agricultura familiar foi um dos mais beneficiados. Resultado: aumentou a produção e a produtividade. Com menor quantidade de matrizes, passou-se a produzir mais. «Os três anos seguidos de seca só favoreceram a bacia leiteira», disse o diretor da Unidade de Pecuária de Iguatu, Mairton Palácio. A unidade reúne 27 produtores e fornece 23 mil litros de leite/dia.
Após de três anos de seca, no Ceará, os agricultores finalmente perceberam que é preciso fazer reserva alimentar para o gado. «O aprendizado tem sido mediante dificuldades e prejuízos», observou o sócio-diretor da empresa Leite & Negócios Consultoria, Raimundo Reis: «A formação de silos e o plantio de culturas forrageiras são estratégias fundamentais no Semiárido».
Reis observa que, nos últimos anos, mudanças vêm ocorrendo, mas ainda há muito que avançar. «Muitos criadores estavam acomodados, achando que a chuva que faltou no ano chegaria no período seguinte», frisou. «E esse comportamento precisa mudar». O governo do Estado e outras instituições vêm investindo na divulgação do plantio de palma forrageira como estratégia alimentar para o período de estiagem.
O anúncio de que os laticínios iriam cortar 15 mil litros de leite, por dia, na bacia de Iguatu, a partir deste mês de novembro, foi debatido com o secretário adjunto da Secretaria de Desenvolvimento Agrário (SDA), Antonio Amorim, em recente reunião realizada no auditório do Sebrae, nesta cidade. De início, o pequeno produtor (o agricultor familiar), seria o mais prejudicado.
«Estamos preocupados e vamos acompanhar essa questão», disse Amorim. O Programa Fome Zero, que adquire leite da agricultura familiar persiste no Ceará, mas enfrenta dificuldades, com a decisão de saída de laticínios, que não concordam com a sistemática do projeto. «Sabemos que é preciso melhorar, aperfeiçoar alguns aspectos, mas a prioridade é adquirir leite da agricultura familiar».
De acordo com Mairton Palácio, os laticínios estão cortando compra de leite dos produtores que moram em áreas mais distantes e isoladas e produzem reduzida quantidade. «Pelo que sabemos o corte é seletivo e atinge aqueles que não têm regularidade no fornecimento», observou.
A Agência de Desenvolvimento do Ceará (Adece) deverá instalar, em parceria com o setor privado, uma indústria de leite em pó no Interior. O projeto foi debatido em recente reunião da Câmara Setorial do Leite. O governo do Estado está elaborando o projeto industrial e deverá definir o local onde será instalado. Três municípios reivindicam a implantação da fábrica: Iguatu, Morada Nova e Quixeramobim. A fábrica vai absorver parte da produção de leite.
A ideia inicial é a formação de uma empresa de economia mista em que a Adece será sócia dos empresários no empreendimento, que absorverá investimento de R$ 20 milhões. A fábrica terá duas fases: na primeira, produzirá 200 mil litros de leite em pó por dia; na segunda, 400 mil. O prefeito de Iguatu, Aderilo Alcântara, disse que a bacia leiteira da região Centro-Sul vem crescendo, mas só dispõe de um laticínio, enquanto outras já contam com mais de três unidades beneficiadoras. «Já anunciamos que a Prefeitura faz doação de terreno e assegura infraestrutura básica», frisou.
O preço do litro de leite varia entre R$ 0,85 e R$ 1,00, dependendo da fidelidade e quantidade do produto fornecido com regularidade para o laticínio. Os produtores não reclamam do preço, mas do aumento do custo de produção a partir da elevação de preço do milho e do farelo de soja em torno de 20% nos últimos 30 dias.
Sobre a redução na compra de leite de pequenos produtores em áreas mais distantes dos centros de recebimento, os laticínios, nesta cidade, não deram esclarecimentos.
Fonte: Diário do Nordeste