O queijo cottage surgiu nos EUA como uma maneira simples e econômica que os colonos encontraram de aproveitar os restos do leite depois de tirado o creme. Por volta dos anos 70, sua presença inofensiva em receitas e dietas o transformaram em estrela.
A fama, entretanto, é caprichosa, como também é o paladar da nação. Por isso, ele foi deixado de lado e agora passa os dias ali, em embalagens sem graça, escondido ao lado do creme azedo, enquanto o iogurte se abanca na seção dos laticínios, todo enfeitado, em garrafinhas engraçadinhas, com tampa flip top e até em potes de vidro franceses.
Só que os EUA adoram uma volta por cima e já tem muita gente apostando que ele vai recuperar o prestígio.
«Mais ou menos de sete em sete anos vem uma nova onda e o cottage volta a ganhar status. É mais ou menos o que está acontecendo agora», explica Dave Potter, presidente da Dairy Connection em Madison, no Wisconsin, que vende culturas e enzimas customizadas para queijeiros.
Desta vez, com a ajuda tanto das grandes companhias alimentícias quanto de pequenos laticínios, talvez ele engrene de vez.
No âmbito do mercado de massa, os maiores produtores do país estão de olho nos jovens que procuram uma opção natural e rica em proteínas que substitua uma refeição. (O cottage chega a ter o dobro de proteínas de certos iogurtes, mas também tem muito mais sódio.)
Algumas outras empresas aderiram ao movimento, como o maior conglomerado israelense e produtor do Muuna, primeiro item seu a chegar ao mercado norte-americano. Companhias nacionais como a Dean Foods, nosso maior laticínio, promoveram uma repaginada no cottage, com embalagens menores, mais atraentes, e pediram aos supermercados que o afastasse do creme azedo, aproximando-o mais do iogurte.
Os lançamentos contêm combinações interessantes de frutas e nozes, e alguns produtores optaram por experimentar com ingredientes queridinhos dos millennials, como probiótico e sementes de chia. E os sabores estão se diversificando, indo além do insosso abacaxi para incluir azeitona grega, pimenta habanero e cominho.
O objetivo, segundo analistas da indústria, é «desconstruir» o cottage – ou, como um executivo do ramo resumiu, «transformá-lo em Chobani (marca de iogurte grego popular)».
Só que a recuperação não vai ser fácil. Os iogurtes vendem oito vezes mais que o cottage, de acordo com John Owen, analista do setor alimentício e de bebidas que preparou o relatório anual do queijo para a firma de pesquisa de mercado Mintel. E ainda que as vendas dessa linha mais badalada tenham começado a desacelerar, o valor total das vendas em 2017 foi de US$8,5 bilhões.
«O iogurte foi adotado pelos grandes consórcios alimentícios de uma forma que o cottage nunca conseguiu», afirma.
Para usar a terminologia dos marqueteiros do setor, o primeiro tem uma «aura» de comida saudável; o segundo, há tempos ligado com os rigores do regime, luta contra a fama de ser «castigo».
«O iogurte sempre teve um histórico melhor que o do cottage», define Jonathan Kauffman, autor de «Hippie Food: How Back-to-the-Landers, Longhairs, and Revolutionaries Changed the Way We Eat».
Como muita gente, ele simplesmente deixou o queijo de lado. «É uma daquelas opções que nunca como, mas sinto que deveria», admite.
Nem sempre foi assim: o cottage já foi um elemento confiável, substituindo a carne durante duas guerra mundiais, fazendo as vezes da ricota e atuando como protagonista nos cardápios de dietas.
Em meados da década de 70, época áurea da iguaria, a produção nacional superava 450 milhões de quilos/ano; o iogurte, por sua vez, era considerado um intruso meio estranho, meio ácido, reservado para os expatriados europeus e os obcecados pela saúde.
Mas aí vieram os anos 80 e ele ganhou versões com frutas, adoçante e até gelada (frozen), ao passo que o queijo lentamente começou a decair. A ascensão da versão grega do iogurte, no início dos anos 2000, foi a pá de cal em cima do pobre cottage.
Para Potter, a salvação do produto não virá da produção em massa – afinal, foi esse estilo de fabricação que acabou afundando a opção.
Na década de 80, depois que as grandes corporações absorveram grande parte dos laticínios regionais, praticamente todo o cottage do país já tinha virado uma gororoba pouco calórica e sem gosto, com pedacinhos borrachudos e estabilizado com amidos e gomas.
«A versão de qualidade é um produto difícil de fazer, que não combina com a automação», ensina Potter.
Ao contrário do iogurte, que é apenas uma questão de acrescentar uma cultura ao leite e esperar a mistura engrossar, o cottage é um daqueles alimentos que enganam, parecendo simples de produzir, mas difícil de ser bem-feito. É como fazer ovos mexidos deliciosos, só que leva horas. É preciso paciência. Devagar e sempre.
«Um bom cottage requer arte», completa ele.
E é aí que entram queijeiros como Sue Conley e Peggy Smith, fundadoras da Cowgirl Creamery, no Condado de Marin, na Califórnia.
Nos anos 90, Conley aprendeu a fazer o queijo com Potter – foi um dos primeiros, aliás, que ela e Smith produziram quando abriram o laticínio original em Point Reyes Station, na Califórnia, em 1997.
Segundo ela, é essencial um leite desnatado fresco de um bom produtor local; (Elas compram do Bivalve Dairy, orgânico por certificado e cujas 200 vacas holsteins são criadas soltas no pasto.) depois, vem uma cultura inicial simples que se alimenta de seus açúcares para criar ácido lático.
Durante a noite, os gominhos macios começam lentamente a se formar; de manhã, são cortados em pedacinhos pouco maiores que uma ervilha. Aí são cozidos e mexidos durante cerca de 1,5 hora, para liberarem parte da acidez. A seguir, o queijeiro retira o excesso de líquido (whey) e lava tudo muito bem três vezes.
O último passo é o «tempero», termo referente ao leite ou creme que é acrescentado aos pedacinhos, para deixá-los cremosos. É ele que determina o conteúdo de gordura do cottage e o que lhe confere sabor.
A Cowgirl Creamery usa creme fresco e chama seu produto – agradavelmente ácido e com cara de coalhada – de cottage. Conley sugere comê-lo como o pessoal do ramo faz depois de acabar de prepará-lo: abrindo um saco de batatinha sabor churrasco e usá-lo como dip.
O laticínio interrompeu a produção, em 2012, porque o processo exige muita água e a Califórnia estava enfrentando uma seca terrível; no mês passado, porém, voltou a preparar o queijo em sua filial de Petaluma, para alegria de gente como Janet Fletcher, escritora que publicou uma carta de amor à iguaria no San Francisco Chronicle.
«Desisti do cottage quando saí de casa, mas depois de provar a versão espetacular da Cowgirl Creamery tive o maior prazer em trazê-lo de volta para a minha vida.»
Quando o cottage é bom, é delicioso – conceito que a queijeira Kate Arding descobriu quando provou a versão da Cowgirl Creamery antes da suspensão da produção. E ela, que cresceu comendo (e não gostando) do queijo no Reino Unido, tomou para si a tarefa de convencer o consumidor cético de seu sabor excepcional.
«Bastava o povo provar para arregalar o olho. A mudança na expressão era imediata», conta.
O cottage e seus primos prensados, como o paneer e o queijo fresco, continuam populares em outros países; em março a revista Tablet o incluiu na lista dos 100 Alimentos Inegavelmente Judeus.
Porém, reaquecer a paixão com a iguaria talvez seja apenas um sonho, principalmente entre aqueles que nunca gostaram do cottage e não vão mudar de ideia.
Um deles é Kevin Pang, crítico gastronômico de Chicago, que há pouco tempo escreveu descrevendo sua repulsa no Takeout, site gastronômico afiliado ao The Onion.
«Sua conotação é muito parecida com a celulite», disse ele, em entrevista. «Sem falar na textura.»
«Nós, chineses, adoramos tudo que é viscoso e escorregadio, tipo tendão, água-viva… mas queijo cottage, cara? Não dá. E olha que já comi carne de cavalo.»
Por Kim Severson
https://gauchazh.clicrbs.com.br/cultura-e-lazer/noticia/2018/07/que-iogurte-que-nada-o-negocio-e-queijo-cottage-cjjeimpmh0p9m01qoouywi2vo.html