Obs.: Este artigo foi publicado originalmente nos anais do Fórum das Américas: Leite e Derivados e 7º Congresso Internacional do Leite.
1. Introdução
Muitos tíªm sido os avanços do setor lácteo brasileiro nos últimos anos, em virtude da atuação dos distintos elos da cadeia. Dentre eles, pode-se citar a granelização do leite com o fim da coleta de leite não resfriado, o pagamento pelo leite valorizando sólidos e qualidade, a instituição da instrução normativa 51 e da Rede Leite em busca da melhoria da qualidade do leite, a rastreabilidade, entre outras. Vamos discutir alguns dos avanços logrados pela atuação da indústria e quais são as perspectivas, sob o ponto de vista deste elo da cadeia.
No início de 1997, quando os produtores receberam a notícia: “Prepare-se desde já: seu leite acabará saindo da fazenda dentro de um tanqueâ€, não imaginavam o impacto que granelização do leite traria tanto para o produtor quanto para a indústria e consumidor. Para o produtor, a granelização trouxe aumento da produção/produtividade uma vez que facilitou o manejo para segunda ordenha; reduziu custos de transporte para a indústria e facilitou o manuseio do produto nas fábricas, além de ter sido o primeiro passo para a melhoria da qualidade do leite ao consumidor.
O controle e conhecimento da origem do leite contido em um produto, ou seja, a rastreabilidade total do produto terminado já ocorre em alguns laticínios. Um exemplo é a DPA/Nestlé; analisando-se uma lata de leite Ninho, por exemplo, é possível identificar quais são as propriedades rurais cujo leite está contido no produto. A rastreabilidade reforça a segurança do alimento.
Em meados de 2005 entraram em vigor a IN 51 (criada em 2002) e a Rede Brasileira de Controle de Qualidade do Leite (Rede Leite), com o propósito de melhorar a qualidade deste produto no País e trazer maior transparíªncia í s análises. Previamente í vigíªncia da normativa iniciou-se, em maior escala, uma diferenciação no pagamento do leite ao produtor, com o objetivo de valorizar o produto com maior teor de sólidos e melhor qualidade.
E para garantir a transparíªncia, todo o leite passou a ser analisado pelos laboratórios da rede Leite e a remuneração por sólidos e qualidade passou a ser feita de acordo com esses resultados. A implementação deste sistema veio para reforçar a importí¢ncia da qualidade do leite para a indústria, consumidor e também para o futuro do setor lácteo brasileiro.
Estas são algumas mudanças importantes porque o setor lácteo passou nos últimos anos. E o que se víª para o futuro?
2. O futuro do setor lácteo brasileiro
A despeito das mudanças porque passou o setor lácteo brasileiro nos últimos anos, ainda há diversas oportunidades, dentre as quais, pode-se citar: a redução da informalidade, consolidação da indústria e maior integração, ganhos de produtividade na fazenda, antecipação de preços de leite por toda a indústria, melhoria na qualidade do leite e maior acesso a outros mercados.
2.1. Informalidade
Dos 16,5 bilhões de litros de leite produzidos em 1995, pouco mais de 36% era considerado informal. Em 2007, a despeito do volume de leite informal ter aumentado, em termos percentuais este valor reduziu-se a 31%. Houve redução na informalidade do setor; no entanto, ainda há muito a melhorar. A informalidade é um concorrente desigual e desleal que precisa ser combatido pois, acima de tudo, põe em risco a segurança do alimento e a saúde do consumidor.
2.2. Consolidação da indústria
A consolidação da indústria láctea que vem ocorrendo nos últimos anos é positiva, uma vez que deve elevar o padrão de qualidade e de integração/coordenação na cadeia.
Deve-se esperar que esta consolidação continue, já que uma parcela ainda pequena do volume de leite concentra-se nas 10 maiores empresas (30% do leite total, aproximadamente).
Ao compararmos os dados de concentração da compra de leite no Brasil com outros países, ainda há espaço para consolidações.
2.3. Ganhos de produtividade
A produção de leite no Brasil vem obtendo ganhos de produtividade nas últimas duas décadas. Sustentando este argumento, pode-se citar o aumento da produção brasileira desde 1990 a 2007. Em 1990, o Brasil produziu 14,9 bilhões de litros de leite. Em 1998, produziu 18,7 bilhões de litros de leite e ainda importou, liquidamente, 384 mil toneladas de produtos lácteos para atender a toda sua demanda interna. Já em 2004, o país produziu 23,5 bilhões de litros e ainda exportou, liquidamente, 22 mil toneladas de produtos lácteos. O Brasil passou da posição de um dos maiores importadores mundiais de lácteos a exportador, em apenas sete anos, graças aos ganhos de produtividade logrados no período.
Ainda há oportunidade para mais ganhos.
O Brasil é o 5º maior país em produção de leite (26,1 bilhão de litros de leite em 2007, de acordo com o IBGE) tendo apresentado, nos últimos 5 anos, taxas de crescimento da produção ao redor de 4% ao ano. Além disso, o país possui o 3º maior rebanho do mundo, de acordo com USDA (21 milhões de cabeças). Não obstante, ainda estamos muito aquém dos principais países exportadores de lácteos, em termos de produtividade animal.
Ocupamos a 10ª posição do ranking elaborado pelo USDA, enquanto países como Austrália, Argentina e Nova Zelí¢ndia ocupam a 4ª, 5ª e 6ª posições, respectivamente. Aí está uma grande oportunidade.
2.4. Potencial do Brasil como Exportador
O Brasil é o maior exportador mundial de carne bovina, carne de frango, café, açúcar, suco de laranja e tabaco, 2º maior exportador de soja e farelo de soja e o 4º maior exportador de suínos. Portanto, além da vocação para a produção de commodities, o País é competitivo para exportar tais produtos.
O fato de o Brasil possuir diversas cadeias completas traz grande competitividade também í cadeia do leite, uma vez que a produção pode valer-se de distintos insumos/subprodutos disponíveis a custos também competitivos.
Somando-se í isso a disponibilidade de terras de pastagens, o potencial para aumento de produtividade, os distintos e flexíveis sistemas de produção, o futuro do Brasil como grande exportador de leite está, de certa forma, próximo. Os recentes investimentos em aumento de capacidade para produção de leite em pó confirmam essa posição. E quais são os entraves para isso?
2.5. Qualidade do leite
Em termos de qualidade do leite, item inexorável a um país exportador de lácteos, ainda estamos atrasados com relação í qualidade do leite de países exportadores (Argentina) e países desenvolvidos (Estados Unidos e Canadá). Para exportar a países da União Européia, por exemplo, é necessário ter 100% do leite com menos de 100.000 Unidades Formadoras de Colí´nia (UFC) por mililitro de leite. De acordo com dados da Clínica do Leite, a média das amostras do Brasil está em 462.000 UFC/ml.
Muito embora a qualidade do leite não esteja nos padrões de excelíªncia internacionais, os resultados de melhoria desta característica, desde a implementação do sistema de valorização da qualidade, são bastante animadores. O nível bacteriano (UFC) do leite dos fornecedores analisados baixou de um índice 100, em 2005, para 20 em 2008 (dados internos DPA), uma melhoria significativa. A implementação deste sistema mostrou que, havendo estímulo, o setor produtivo responde rapidamente.
2.6. Acesso aos mercados
Pelo fato de o Brasil ter sido um grande importador mundial de lácteos, pequena ainda é a credibilidade do mercado internacional em víª-lo como um exportador. Portanto, acordos bilaterais de comércio com países importadores de produtos lácteos poderiam trazer a velocidade necessária í concretização das exportações brasileiras.
3. Conclusão
O setor lácteo brasileiro evoluiu muito nas últimas duas décadas e alguns exemplos importantes disso são a melhoria da qualidade do leite e o fato de ter passado de grande importador a exportador em apenas 7 anos. Ainda há um caminho a percorrer rumo í excelíªncia.
No entanto, enfatiza-se que o leite brasileiro reúne todas as condições para ter, num futuro próximo, a mesma releví¢ncia que o boi e o frango possuem no mercado Global, sem deixar de satisfazer as necessidades dos brasileiros por este alimento imprescindível para todas as idades.
Clea Santos Rahal Mendonça de Barros
Chefe de inteligíªncia de mercado regional da Dairy Partners Americas Manufacturing (DPA)
Clea.Rahal@br.nestle.com
Pedro Simão Filho
Presidente do Conselho Nacional das Indústrias de Laticínios (CONIL) e da Associação Brasileira das Indústrias de Leite Desidratado (ABILD)
www.cileite.com.br
http://www.terraviva.com.br/terraviva/file/1/2502.html