Trabalhos de melhoramento genético feitos pela Embrapa estão desenvolvendo leite para pessoas que possuem alergia às beta-caseínas, que correspondem a 30% das proteínas do leite.
O uso de sêmen com características genéticas dos touros permitem a produção do leite chamado “A2”. Segundo os pesquisadores, há evidências científicas de que a beta-caseína do leite A2 não causa reações em pessoas que possuem alergia a essa proteína específica.
Embora os alergistas afirmem que o leite A2 não seja indicado para todos os casos, o pesquisador Marcos Antônio Sundfeld Gama diz que ele pode ser benéfico para muitas pessoas, pois a beta-caseína é a principal causadora das alergias.
Alergia é diferente de intolerância
Apesar dos avanços, o leite A2 não é indicado para a intolerância à lactose, que pode ser confundida com a alergia ao leite de vaca, alerta o alergista e imunologista Aristeu José de Oliveira.
“A lactose é o açúcar do leite e não uma proteína. A intolerância ocorre em pessoas que têm deficiência na produção de uma enzima chamada lactase, cuja função é quebrar as moléculas de lactose durante o processo digestivo, transformando-a em energia para as células do corpo humano. Os sintomas da intolerância à lactose são dores abdominais, diarreia, flatulência e abdômen distendido”.
Já a alergia desencadeia uma série de reações, algumas parecidas com a intolerância à lactose, o que pode gerar confusão entre os dois problemas. Mas, além dos sintomas gástrico-intestinais ocorrerem de forma mais acentuada (diarreia e vômitos), a APLV pode causar placas vermelhas no corpo, muitas vezes acompanhadas por coceiras, inchaço dos lábios e dos olhos e, na reação mais aguda, a anafilaxia, que pode levar à morte.
“O leite A2 pode evitar esses transtornos, pois, quando digerido pelo ser humano, não forma a substância chamada beta-casomorfina-7 (BCM-7), responsável por desencadear o processo alérgico”, explica o pesquisador da Embrapa Gado de Leite, Marcos Vinicius G. Barbosa da Silva.
Alguns estudos científicos sugerem que a BCM-7, resultante da digestão da beta-caseína A1 (do leite comum de vaca), além de provocar a APLV, pode intensificar os problemas neurológicos de indivíduos que apresentam transtorno autista e esquizofrenia. A substância pode ainda ter influências no sistema cardiovascular. “A BCM-7 é um oxidante do LDL, conhecido como colesterol ruim, que está relacionado à formação de placas arteriais, aumentando o risco de doenças cardíacas”, diz Silva.
Mutação Genética
Cientistas concluíram que até oito mil anos atrás as vacas produziam somente o leite A2. Uma mutação genética nos bovinos levou ao surgimento de animais com o gene para a produção do leite A1. Essa característica é mais comum nas raças de origem europeia (subespécie taurus). As raças Holandesa e Pardo-suíça possuem 50% de chances de produzirem leite A2. Na raça Jersey esse índice é maior: 75%. Da subespécie taurus, apenas a raça Guernsey, pouco comum no Brasil, possui 100% dos seus indivíduos capazes de produzir leite A2. Já nas raças zebuínas (subespécie indicus), de grande predominância na pecuária nacional, que inclui o gir leiteiro, 98% dos indivíduos têm genética positiva para a produção de leite A2.
“A alta frequência do alelo A2 na pecuária brasileira é uma vantagem competitiva para nossos produtores explorarem o nicho de mercado que está se formando em torno do produto”, diz Silva. Para o também pesquisador da Embrapa, João Cláudio do Carmo Panetto, essa informação disponibilizada nos sumários dos touros gir leiteiro e girolando irá facilitar o processo de melhoramento genético do rebanho, caso o produtor queira produzir leite A2. Mas não bastam as informações a respeito do touro, cujo sêmen será usado na fertilização. As vacas do rebanho devem ser genotipadas, ou seja, é preciso identificar no material genético do indivíduo se o animal é homozigoto (possui os dois alelos) para a produção de leite A2. O ideal é que sejam selecionadas as vacas A2A2, que inseminadas por um touro A2A2 terão 100% das filhas com os alelos A2A2. Panetto explica:
“Se uma vaca tem o genótipo A2A2, é garantido que ela passará para a progênie o alelo A2. Similarmente, uma vaca A1A1 passará o alelo A1. Para uma vaca A1A2, há 50% de chances de passar para a progênie qualquer um dos alelos. A genotipagem da vaca é feita com a coleta de tecido biológico do animal, que pode ser uma amostra de sangue ou de pelo. A amostra é enviada para um laboratório especializado que apresentará o resultado ao produtor de acordo com o tipo: A1A1, A1A2 e A2A2. Depois, basta escolher o sêmen adequado, cujas informações estão presentes nos sumários dos touros gir leiteiro e girolando.”
Pesquisadores da Embrapa orientam que o processo de seleção pode ser acelerado por meio do descarte de animais A1A1 e A1A2. Devem permanecer no rebanho somente as vacas e bezerros com o genótipo A2A2. A velocidade com a qual o rebanho será convertido para a produção de leite A2 dependerá da estratégia de uso do sêmen de touros A2, do investimento na genotipagem das vacas, das taxas de descarte e da retenção dos bezerros. “Se o criador optar pelo uso conjunto dessas ações, sem reduzir drasticamente o rebanho, o tempo necessário para que todos os animais da fazenda sejam A2A2 poderá variar de duas a três gerações, cerca de dez a 15 anos”, diz Panetto.
Mercado promissor
Pode parecer complexo e demorado, mas quem optou pela produção de leite A2 diz que é compensador. O pecuarista Eduardo Falcão, proprietário da Estância Silvânia, em Caçapava (SP), diz que o litro de leite A2 pode ser vendido na forma de derivados lácteos até quatro vezes mais caro que o leite convencional. A Estância Silvânia é especializada em melhoramento genético da raça Gir Leiteiro, e Eduardo Falcão é o pioneiro da produção e comercialização de leite A2 no Brasil. A produção da Estância Silvânia ainda é pequena, cerca de 700 litros de leite por dia destinados à fabricação de queijos, manteiga e ricota, vendidos no Vale do Paraíba e na cidade de São Paulo. Alguns outros produtores que possuem rebanhos gir leiteiro estão seguindo pelo mesmo caminho. Segundo Silva, essa é uma forma de agregar valor ao leite oriundo de rebanhos gir leiteiro, cuja característica da raça é ser menos produtiva do que a raça Holandesa ou mesmo a raça sintética Girolando, resultado do cruzamento do gir leiteiro com o holandês.
O mercado internacional aponta para o sucesso do empreendimento. A Nova Zelândia, maior exportadora mundial de leite em pó, produz leite A2 desde 2003. O país registrou comercialmente o nome A2 Milk e certifica laticínios e fazendas que produzem exclusivamente o leite A2. Outro grande exportador, a Austrália, também já ingressou nesse mercado. O curioso é que o produto deixou de ser uma exclusividade de pessoas alérgicas à proteína do leite e está conquistando o grande público. Na Oceania é possível comprar leite e derivados lácteos em diversas lojas e cafés. O produto também já é visto nas gôndolas de supermercados da Inglaterra e dos Estados Unidos.
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