De acordo com a nutricionista brasileira Marcia Otto, uma das principais autoras do trabalho, outro ponto fortalece os resultados: a análise de sangue ocorreu em três ocasiões diferentes. “Normalmente, há uma medida no início da pesquisa e, aí, é feito o acompanhamento. Mas sabemos que o consumo de comida se altera ao longo da vida”, observa.
Além de não abalar a saúde em geral, uma das gorduras avaliadas de perto inclusive protegeu contra problemas cardiovasculares, mais especificamente em relação ao AVC — a possibilidade de morrer em decorrência desse evento caiu 42%.
Leite integral não é só gordura
Para Marcia Otto, esses achados nos convidam a refletir sobre como encaramos os alimentos hoje. “Eles têm sido reduzidos à sua quantidade de gorduras, proteínas ou carboidratos”, critica. “Só que não podemos analisar a comida de forma segmentada. Afinal, trata-se de uma matriz complexa, composta de vários nutrientes”, aponta.
Antes de publicar suas descobertas, a nutricionista vasculhou outros estudos e, ancorada numa ampla pesquisa, ressalta que mais uma coisa está ficando clara: o termo “gordura saturada” é abrangente demais. Em outras palavras, a versão encontrada nos laticínios teria uma estrutura diferente daquela presente na carne vermelha, cujo excesso é ligado a doenças do coração.
“Faz todo o sentido. Precisamos levar em conta os subtipos, não só a gordura saturada total”, argumenta o nutricionista Dennys Cintra, pesquisador na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
A nutricionista Clarissa Fujiwara, da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), diz que a investigação feita em solo americano abre muitas portas e, acima de tudo, coloca em xeque a orientação de sempre priorizar lácteos magrinhos.
“Se uma pessoa tem alimentação equilibrada, é ativa e acompanha sua saúde, não tem motivo para comprar tudo desnatado”, afirma. Inclusive porque, muitas vezes, o corte calórico leva embora o prazer de tomar um copo de leite. “A gordura dá mais sabor”, justifica a representante da Abeso.
“Ainda tem a questão da saciedade”, acrescenta a nutricionista Nágila Damasceno, da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp). Tanto a proteína como a gordura de leite e derivados lentificam a digestão. De acordo com Nágila, que também é professora da Universidade de São Paulo (USP), esse é um dos motivos que ajudam a entender por que a ingestão das versões integrais não representa, por si só, uma ameaça à balança.