Produtora prioriza produção leiteira na fazenda da família e se torna referência em bacia leiteira de altíssimo nível.
Ela já foi eleita em 2014 a “Mulher de Negócios” do Estado do Paraná, na categoria Rural, e obteve a segunda colocação na disputa nacional do mesmo concurso, promovido pelo Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). As premiações reconheceram o espírito empreendedor e o esforço da criadora Marlene Kaiut em sanar dívidas da propriedade da família e triplicar a renda, a partir não só de uma mudança radical na gestão, mas também com base no gosto naquilo que faz, com foco, determinação e empenho. Sua atividade? Pecuária leiteira.
Desde 2011, quando assumiu a frente do rebanho leiteiro na Chácara São João, em Carambeí (PR), a propriedade deu um salto no quesito eficiência. Naquele ano, dispunha de 60 vacas, das quais 30 em lactação e produção média diária de 16 litros, considerada baixa para a raça Jersey, a base de seu rebanho. Em abril de 2016, eram 90 vacas em lactação de um total de 180, produzindo ao redor de 22 litros/dia cada uma, ou 1.980 litros/dia. Ou seja, com o triplo de animais em lactação a produção aumentou mais de quatro vezes. O salto foi obtido graças à adequação na alimentação dos animais, ao manejo aprimorado e à melhoria genética. Tanto que as 120 vacas que chegaram ao rebanho nos últimos cinco anos são nascidas na propriedade. “Já atingimos a marca de 26 litros/dia, uma das maiores da região por animal”, comemora a pecuarista, de apenas 29 anos.
Quando ela se refere à “região”, não está querendo dizer pouca coisa. Carambeí, no centro-sul do Paraná, ao lado do município de Castro, tem sua história atrelada à imigração holandesa, responsável por transformar aquele território em umadas mais expressivas bacias leiteiras do País. É sede da Frísia Cooperativa Agroindustrial (ex-Batavo), cuja criação remonta a 1925 e da qual Marlene é cooperada.
A Frísia ofereceu assessoria técnica e de gestão, sobretudo a financeira: agora, todos os números da propriedade estão contabilizados na ponta do lápis. Ou, melhor dizendo, em planilhas no computador. “Tudo está computado lá: a produção, os custos (inclusive os gastos da família) e o lucro”, conta Marlene. “Quando coloco os custos na planilha, o lucro já é calculado automaticamente.” Dificuldades para manejar números e planilhas ela não teve, porque o diploma de administração de empresas a ajudou nesse quesito. “Em compensação, o trabalho braçal não foi nada fácil aprender”, revela.
Diariamente a pecuarista realiza o controle leiteiro, isto é, confere a quantidade produzida e a qualidade do leite. Marlene recebe R$ 1,29 pelo litro, incluindo-se aí as bonificações pela qualidade do leite, que vem com teores de proteína (3,67%) e de gordura (4,68%) considerados excelentes, além de contagem bacteriana total (CBT) de 10.000 unidades formadoras de colônia por mililitro (UFC/ ml, quando o máximo permitido pela Instrução Normativa 62 é de 100.000 UFC/ml) e contagem de células somáticas (CCS) de 400.000/ml (quanto o total máximo permitido pela IN 62 é de 500.000/ml). Do valor de R$ 1,29 recebido pelo litro, entre R$ 0,80 e R$ 0,85 cobrem os custos da leiteria. Quando acrescentadas as despesas com os dois funcionários e as familiares (dela, do marido, da filha de 11 anos e da bebê), o custo total oscila entre R$ 1,05 e R$ 1,10. Sobram entre R$ 0,19 e R$ 0,24 por litro, o que, no fim do mês, proporciona uma renda líquida de R$ 10.000 a R$ 13.000, em média.
Nada mau para quem, até cinco anos atrás, só tinha prejuízos e estava prestes a vender os animais para saldar dívidas de R$ 350.000 com bancos e cooperativa. Além disso, desde que recebeu o prêmio do Sebrae, a pecuarista é requisitada quase todo o mês para dar palestras sobre empreendedorismo, e cada delas uma acrescenta R$ 5.000 à renda.
Corajosa, para dizer o mínimo, Marlene se dispôs a assumir a leiteria quando o marido estava prestes a se desfazer dela. “Ao contrário de mim, ele não gostava de mexer com leite, se dedicava mais à lavoura de soja, milho e feijão da propriedade, e as dívidas só aumentavam”, recorda.
Recém-formada em Administração de Empresas, Marlene, em 2011, era uma dona de casa de 24 anos de idade que cuidava da filha de 6 anos, mas que decidiu “descer do salto” e encarar o desafio. O marido, Ancelmo Kaiut, avisou de início que ela não contasse com ele na empreitada, pois preferia continuar cuidando só das lavouras de milho e soja.
Ainda assim, ela resolveu tentar e negociou com credores o refinanciamento da dívida anterior. Marlene logo percebeu que aumentar o rebanho e a produção era o caminho para elevar a renda. Pediu mais R$ 70.000 de crédito à cooperativa, vendeu sete novilhas e investiu em um galpão maior e mais moderno para o trato alimentar dos animais. Com 510 metros quadrados de área e dotado de piso de concreto riscado, que evita que os animais escorreguem, e novos equipamentos para os cochos, barracão tem capacidade para 140 vacas em lactação.
Com boa ventilação natural, não precisa de aquecimento nos meses frios, “pois as vacas preferem o frio que o calor”, explica a pecuarista. A instalação anterior, além de estar em estado precário, segundo a pecuarista, comportava apenas 75 animais em lactação.
Os técnicos da Frísia foram peças-chave na recuperação da atividade leiteira na chácara, ao fornecerem orientações sobre manejo, nutrição e gestão. A empresa fornece, se necessário, agrônomos, zootecnistas e veterinários, além de peças, medicamentos, ração, sais minerais. Marlene procurou, ainda, o Sindicato Rural local e fez um curso de gestão empresarial. “Com isso, a qualidade do leite e a produtividade dos animais foram melhorando e gerando algum lucro”, recorda. O melhoramento genético também entrou na ordem do dia: um especialista a ajuda a comprar o sêmen do touro mais adequado para seus animais e seu marido, Ancelmo, faz a inseminação nas vacas. Isso tudo resultou em aumento da produção, da produtividade, e elevou o preço e a renda com o leite.
Tanto que, em maio deste ano, cinco anos após assumir o desafio, ela conseguiu saldar a dívida inicial, que somava R$ 420.000. Não satisfeita e sem recursos próprios suficientes, em setembro de 2015 pediu mais um empréstimo à cooperativa de crédito, desta vez de R$ 463.000, para serem pagos em dez anos a juros de 4,5% ao ano e carência de dois anos para o início do pagamento.
Com esse montante em mãos, modernizou e ampliou a sala de ordenha, colocou um piso mais resisten te a produtos químicos e instalou dez conjuntos de ordenha automática com quatro vias, que extraem o leite de forma independente em quatro câmaras independentes.
Fonte: Mundo do Leite 80