De onde vem o sabor

Determinados a oferecer pratos impecáveis, chefs da cidade apostam em matérias-primas vindas diretamente de produtores que se destacam pela procedência e frescor
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Determinados a oferecer pratos impecáveis, chefs da cidade apostam em matérias-primas vindas diretamente de produtores que se destacam pela procedência e frescor
O caminho até a fonte é trabalhoso. São 60 quilômetros até chegar ao Laticínio Xique-Xique, sendo seis deles de estrada de chão e muitas pedras. O local fica na Fazenda Campo Largo, propriedade da família de Robson Lucena, empresário à frente também dos restaurantes homônimos ao laticínio. Foi há pouco mais de seis meses que ele decidiu investir na produção de queijos e o local acabou virando um laboratório de testes e criações, que hoje abastece alguns estabelecimentos de grande movimento na capital. É um sonho antigo do patriarca da família Lucena que agora chega a receitas exclusivas, como a da pizza Vera Napoletana da Baco Pizzaria, por uma questão de primor no sabor.

Resultado de muitas conversas, pesquisas, provas, acertos e erros, a fazenda hoje consegue produzir a fior di latte, muçarela superfresca feita a partir do leite de vaca. É um produto muito comum na Itália, mas pouco explorado na cultura gastronômica brasileira (entenda a história no box abaixo). Elaborada a quatro mãos por Lucena e Gil Guimarães, empresário, pizzaiolo e chef da Baco e do Parrilla Madrid, a criação envolveu tudo o que o entusiasta buscava: «Eu encontrava coisas artesanais sem perceber que eu queria procurá-las. Já era algo intuitivo», conta Gil.
Gil comenta que recentemente passou a listar no cardápio do Parrilla Madrid, casa especializada em cortes e hambúrgueres, a origem de cada produto artesanal usado nas receitas. A carne da qual é feita o blend de %u2028black angus, por exemplo, vem do Açougue 33, de Luziânia. O molho do Jack Burger, feito à base de pimenta, da Cornucópia, com sede no Lago Oeste; e assim seguem o bacon, a linguiça (usadas nos choripáns) e a burrata, que vêm de produtores com sede nas proximidades do Distrito Federal.

A premissa se reflete em várias outras elaborações. É de uma fazenda de Corumbá (Goiás), a 150 quilômetros da capital, que vêm queijos que fazem a diferença em determinadas pizzas da Baco. As criações da Queijaria Alpino são lideradas pelo suíço Stephan Gaehwiler, que está no Brasil há 34 anos e há 20 trabalha no ramo. São 600 quilos de queijo produzidos por mês, com matéria-prima retirada de 25 vacas exclusivamente conduzidas em ordenhas que não sobrecarreguem os animais, segundo o produtor. «O sabor é muito mais de queijo do que qualquer outro industrializado», afirma Gil, sem titubear.
Para o empresário, esse é o ponto que encabeça a lista de vantagens ao escolher fornecedores próximos e de produção menor, mais cuidadosa. «Muda tudo saber de onde vem o produto», continua o chef. «É usar algo que se sabe a qualidade de origem, do sabor, e que, se não estiver bom, você fala: não está bom. A relação é outra.»

Ao provar a pizza de brie com aspargos frescos, elaborada essencialmente com o queijo Tomme, tipo que se aproxima ao francês de crosta branca e aparece no nome da redonda, Stephan Gaehwiler não consegue esconder a surpresa feliz: «Essa pizza é demais», exalta, em sotaque gringoaumentado pelo agrado com a receita que tem como base a sua criação.

A relação de Renata Carvalho, responsável pelas caçarolas e parrillas do Loca Como Tu Madre e do Ancho – Bistrô de Fogo, com dona Ana (como ela respeitosa e carinhosamente a chama) começou por um item específico. A chef lembra que estava há algum tempo em busca de um fornecedor constante de cajuzinho-do-cerrado quando foi indicada, há cerca de três anos, a Ana Maria Romeiro. De lá para cá, a troca se intensificou em variedade e conhecimento. Do caju mais avermelhado e doce que apareceu em moquecas, galinhadas, caipiroskas e sangrias do Loca, vieram o licor de gabiroba para um drinque exclusivo da casa, batizado de gabiroba sour, e o açafrão-da-terra, coadjuvante em quase meia dúzia de receitas. «Ela me deu um pouquinho de presente e eu comecei a pedir mais, porque é incrível», recorda Renata sobre a iguaria, sem economizar superlativos: «É de verdade mesmo: não tem aditivo, farinha, nada do tipo.»
A pureza dos produtos tem razão de ser. Dona Ana e o marido, seu João de Macedo, colhem e produzem a partir do que a terra da chácara onde moram, em Taboquinha (Goiás), dá. É o casal que trata diretamente o que o cerrado oferece. «A nossa propriedade é totalmente nativa. Nós não desmatamos para plantar outras coisas», orgulha-se a produtora rural. Do trabalho que eles vêm fazendo há mais de 10 anos, teve origem a marca Do Cerrado. «Quando nós chegamos lá, não tínhamos noção do quanto a cidade tinha interesse por essas frutas. Muita coisa se perdia, porque não conseguíamos comer tudo», recorda pouco antes de citar representantes do slow food como os responsáveis por informarem que havia demanda por parte dos restaurantes para esses produtos.

Segundo Renata, da castanha-de-baru à pimenta-de-macaco, passando pela cagaita, que compra exclusivamente do casal, o resultado nos pratos à mesa justifica enfrentar, às vezes, os 70 quilômetros que separam a cozinha profissional do solo fértil. «O produto dela não tem nem comparação», atesta. A compradora pondera, porém, o preço, que acaba sendo mais caro do que os encontrados em supermercados ou em comércios de larga escala. «É orgânico, né?», justifica a chef.
Ainda assim, a conta parece fechar. «Se eu, como cozinheira, não ajudar os produtores locais, fica difícil. Temos de gerar consumo», respalda. Dona Ana, por sua vez, revela orgulho, além da gratidão. «Nós ficamos super-realizados em saber que é uma coisa tão simples e que a pessoa transforma em algo tão importante, que todos querem provar.»

Mais distante, a 350 quilômetros do Planalto Central, começa a produção da farinha de mandioca que Agenor Maia faz questão de ir buscar uma vez por mês para abastecer o Olivae. O ritual já virou tradição nas segundas-feiras de folga. «Eu já tinha comido a farinha do Maranhão, porque morei lá. Sou doido com a Uarini, de Manaus. Mas, quando eu provei essa farinha aqui, pensei: ‘não é possível'», repete a reação que teve em 2013, e que se assemelha muito ao encanto que sustenta ainda hoje pelo produto de Geraldo Gonçalves. «Ela é crocante. Não é aquela coisa massuda das outras. É leve», compara. «Essa é a diferença de uma farinha benfeita.»

Fornecedor na cidade de Trindade (GO), o senhor de aproximadamente 60 anos perpetua o negócio familiar, que começou com o pai. O cuidado aparece desde o início do cultivo da mandioca, que seu Geraldo acompanha de perto, até o processo de secagem e finalização, que dura aproximadamente 10 dias. «Ele respeita as horas que a farinha precisa para ficar pronta», frisa Agenor, que já se habituou a assistir às etapas. «Isso reflete em tudo. É a expertise dele em cada etapa do processo que resulta nesse produto», conclui.

Ao chegar ao restaurante do Plano Piloto, o pó desidratado em grão médio é temperado – com alho e cebola apenas, ressalta o chef – e segue para o mise en place como guarnição do rodízio da casa, inspirado no sistema do carioca CT Boucherie, de Claude Troisgros. «É meio que uma assinatura das nossas carnes», define o chef sobre o acompanhamento. São 120 litros comprados todo mês, que percorrem 700 quilômetros até as mesas do Olivae, desde o primeiro ano de funcionamento da casa. E a rotina «sagrada», como define Agenor, não deve mudar. «Eu sei que tem muita gente que lança os produtos com essa pegada da moda de ser sustentável, orgânico, e não é», pondera em tom crítico. «Nós usamos o produto? Usamos. Mas porque é saboroso», contrapõe. «Só pelo modismo é difícil.»

«Sabe aquele manjericão que não se perde uma folha? Que dura 10 dias sem ficar preto?», questiona Renata Mandelli, descrevendo a matéria-prima que usa desde a primeira receita clássica de molho pesto que fez em território brasiliense. Moradora da Itália por bons anos, quando aprendeu as raízes do slow food, sustentadas especialmente pelos ingredientes frescos e de boa procedência, a cozinheira à frente da marca que leva seu nome optou por seguir aqui também os requisitos básicos da boa cozinha. «E, tendo contato só com produtos bons, você acaba se moldando», constata.

No caso dela, o caminho das pedras vem de família. É do sítio que foi do avô, em Brazlândia, e que hoje é cuidado e cultivado pelo primo, o agrônomo Marcelo Mandelli, que vem todo o manjericão orgânico que Renata utiliza em seus pestos. Em um mês movimentado, o pedido, disponibilizado diretamente na feirinha realizada aos sábados entre as quadras 303/304 do Sudoeste da qual o produtor participa, chega aos montes para produção. E não raras vezes, a cozinheira conta que o parente liga oferecendo produtos que colheu em larga escala. Foi assim com os 70 quilos de tomate sweet grape que Renata recebeu e transformou em receita exclusiva de geleia de tomate picante.

Produção em Brazlândia: o sítio do agrônomo Marcelo Mandelli fornece todo o manjericão orgânico usado

«O orgânico é isso», sugere a cozinheira, que costuma comercializar seus produtos por encomendas e em feiras gastronômicas da cidade. «O sabor é diferente, a consistência também.» Com ramos de cor verde e cheiro fresco nas mãos, ela ressalta ainda o valor reduzido ao comprar diretamente de um produtor. Enquanto Marcelo vende o maço a 3 reais, Renata conta que já chegou a encontrar a mesma quantidade na seção sem agrotóxicos de um supermercado a 9 reais. «Essa variação de preço é absurda», aponta. Desde 2003 produzindo orgânicos no sítio, o agrônomo convive com uma variedade grande de frutas e hortaliças. Mas, ao receber um dos potes de cor verde forte, produzido pela prima, não consegue reprimir a satisfação: «É o melhor pesto do mundo», declara.

Os primos Renata e Marcelo Mandelli têm uma parceria de sucesso: ele planta e distribui o manjericão, enquanto ela vende a hortaliça em forma de molhos e conservas (Raimundo Sampaio/Encontro/DA Press)

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Así lo expresó Domingo Possetto, secretario de la seccional Rafaela, quien además, afirmó que a los productores «habitualmente los ignoran los gobiernos». Además, reconoció la labor de los empresarios de las firmas locales y aseguró que están «esperanzados» con la negociación entre SanCor y Adecoagro.

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