“Somos a ponte entre o produtor e o acesso às políticas públicas”

Políticas públicas A admiração pelo trabalho dos extensionistas rurais levou Gustavo Gimi Santos Claudino a escolher a profissão que mudaria sua vida e a vida de centenas de agricultores.
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A admiração pelo trabalho dos extensionistas rurais levou Gustavo Gimi Santos Claudino a escolher a profissão que mudaria sua vida e a vida de centenas de agricultores. Aos 17 anos, o jovem natural de Sombrio, iniciou a graduação em agronomia na Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc). O agrônomo com especialização em apicultura pela universidade de Taubaté, em São Paulo, e gestão pública pela Udesc, há 14 anos iniciou a carreira tão admirada como extensionista rural na Empresa de Pesquisa Agropecuária e Extensão Rural de Santa Catarina (Epagri). Gustavo, de 42 anos, atuou como extensionista em São João do Sul, Cocal do Sul, Morro da Fumaça e Tubarão. Casado, pai de trigêmeos, duas meninas e um menino, o agrônomo tem levado informação e tecnologia ao homem do campo. Após uma extensa trajetória como extensionista rural, em 2014 assumiu a gerência regional da Epagri de Tubarão e hoje coordena a estatal na região Sul que atende 20 municípios por meio da extensão rural e pesquisa agropecuária.
Notisul – Como funciona o trabalho de pesquisa e extensão da Epagri?
Gustavo – A Epagri é uma empresa que trabalha com a extensão rural e a pesquisa agropecuária e ainda conta com os centros de referências. São ações bem distintas e é o que faz o órgão ser forte e reconhecido em todo o Estado. Fazemos a extensão, que é levar toda a informação possível ao meio rural. Somos a “ponte” entre o produtor e os meios de acesso as políticas públicas e financeiras. Além das informações, auxiliamos na organização das cadeias produtivas, no acesso às tecnologias, capacitações e o desenvolvimento do meio rural onde estão inseridos. Já a pesquisa tem a premissa de buscar respostas aos problemas do meio rural e suas principais demandas. O resultado é levado ao produtor por meio da extensão. São áreas que se complementam.
Notisul – O órgão tem se destacado no Estado com seus inúmeros programas que beneficiam o produtor rural. Quais os principais projetos em exercício na região?
Gustavo – Dentro do seu território a Epagri trabalha por meio de 13 unidades de pesquisa, sete estações experimentais, quatro centros de referência e pesquisa e 13 centros de treinamento. Cada município conta com uma unidade da Epagri somando em 23 gerências regionais. A Epagri executa as políticas públicas governamentais por meio dos programas como o “troca-troca” que disponibiliza kits, programas do Fundo de Desenvolvimento Rural (FDR), programas federais como o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) que dispõe crédito agropecuário e fundiário, entre outros. Na nossa região temos os programas voltados para a pesca artesanal, aquicultura, bovinocultura de leite, bovinocultura de corte, turismo rural, agregação de valor e grãos. Alguns ainda investem na fruticultura e olericultura.
Notisul – Uma das peculiaridades da região Sul do Estado é a forte atuação da agricultura familiar na cadeia produtiva e a união e formação de cooperativas. Como a Epagri auxilia nesse trabalho?
Gustavo – O foco de trabalho da Epagri são os pequenos produtores da agricultura familiar e pescadores artesanais. O nosso objetivo é buscar o atendimento coletivo e a união dos agricultores. A tendência é caminhar para uma associação e posteriormente uma cooperativa. A região Sul teve um aumento significativo das pequenas cooperativas principalmente depois dos programas de incentivo à venda direta aos mercados institucionais e merendas escolares onde houve a necessidade de uma organização dos produtores para atender a essa demanda. A Epagri foi parceira nesse processo. Acreditamos ser um grande caminho para que o agricultor familiar consiga acessar a comercialização diretamente.
Notisul – A propriedade rural hoje agrega o uso de novas tecnologias para garantir a qualidade do produto. Como tem se dado esses investimentos? O governo disponibiliza algum recurso para aquisição de equipamentos modernos?
Gustavo – O nosso papel é estar à disposição dos agricultores. E dentro desse trabalho chega o momento de melhorar a estrutura da propriedade. Com o olhar técnico analisamos o que é necessário para o local, sempre buscando uma tecnologia racional com maior economia e que venha modificar o cenário positivamente. Ofertamos as políticas públicas existentes como os programas governamentais, e quando há uma necessidade de estruturação mais complexa, elaboramos projetos de investimento e custeio e auxiliamos o agricultor a ter acesso a esse recurso na agência financeira por meio do crédito dos programas federais que oferecem financiamentos com juros mais baixos.
Notisul – Além do uso de tecnologia e o conhecimento das técnicas, a sucessão familiar é fundamental para a continuidade da propriedade. Para evitar o êxodo rural, a Epagri tem promovido um curso de capacitação dos jovens em liderança e empreendedorismo. Quais os resultados deste processo?
Gustavo – Vemos o avanço das tecnologias, equipamentos, mas não se tem um sucessor já treinado para continuar a atividade. Por isso, desde cedo trabalhamos a formação do jovem agricultor. O curso busca treiná-los para que sejam jovens que tenham informação, que saibam usar a tecnologia, com visão ambiental, social correta e que sejam profissionais com condições de competir no mercado. Se conseguirmos agregar todos esses eixos certamente ele vai continuar com uma boa expectativa de futuro.
Notisul – Falando em êxodo rural, o homem do campo ainda tem migrado para os grandes centros em Santa Catarina?
Gustavo – Cerca de 8% da população está no meio rural e o restante na urbana. No nosso Estado, cerca de 16% está no meio rural. O chamamento do urbano ainda é muito forte, só que os nossos jovens agora estão vendo o campo com outros olhos, já que hoje o jovem tem acesso a formação superior e consegue retornar a sua propriedade com muito mais facilidade que antigamente. Aliado a facilidade do acesso à internet, ao meio de transporte, a melhoria das estradas, o jovem está permanecendo no meio rural. Ainda há o êxodo, mas está diminuindo. Também notamos atualmente outro movimento significativo que é o retorno de pessoas que estão na cidade e não conseguiram obter êxito e estão tentando retornar ao interior e investir na agricultura.
Notisul – Com foco nas cadeias produtivas, Santa Catarina é considerada a maior produtora de carne suína do país e na região Sul, a região do Vale se destaca nesse setor. Como está o mercado das carnes para o pequeno produtor?
Gustavo – Os nossos suinocultores podem ser considerados “heróis”. Porque a grande parte não é integrada, mas independente, ou seja, não estão ligados a uma grande empresa que dá garantia de recebimento do suíno para o processo de engorda ou recria e após vendê-lo para a mesma empresa. Os independentes dominam todo o processo e realizam a venda para frigoríficos locais. Por isso são “heróis”, pois além de não depender das integradoras, lutam para se manter no mercado que tem uma alta carga tributária, baixo subsídio, e o desfavorecimento na competição com as integradas. Mesmo assim há uma alta demanda de produção e comercialização interna. Também temos uma peculiaridade na nossa região que á a agregação de valor, transformando a carne em embutidos e peças diferenciadas por meio das charcutarias.
Notisul – A operação Carne Fraca deflagrada pela Polícia Federal há poucos meses no país causou impacto ao produtor da região Sul?
Gustavo – Os impactos na nossa região não foram tão grandes. Obviamente que em nível federal ainda temos algumas dificuldades. Nossa imagem foi muito arranhada. Para quem trabalha com exportação isso é altamente danoso. E quando se pega empresas pontuais e coloca na “vala” comum, mancha todo o sistema de produção. Aqui na região Sul temos uma inspeção rigorosa. Queremos crer que ainda este ano recuperaremos nossa imagem junto ao mercado externo.
Notisul – Além da produção de carnes, Santa Catarina também se destaca com o 4ª lugar na produção de leite. A que se deve esse fator?
Gustavo – Buscamos ser eficientes na condição do manejo de gado leiteiro. Nossos produtores tem investido no cultivo à base de pasto baixando o investimento na suplementação alimentar. Podemos dizer que temos a melhor qualidade de leite do Brasil. A região do Vale de Braço do Norte se destaca com a criação do gado Jersey. A raça corresponde as condições topográficas e climáticas e consegue produzir um leite com alta concentração de gorduras que é o necessário para se ter boa qualidade.
Notisul – Citando o gado leiteiro, a Epagri tem sido parceira na organização da Feagro, em Braço do Norte, que é considerada a maior exposição de gado Jersey da América Latina e se consolidado como espaço de fomento ao agronegócio. Qual a importância desse evento para a empresa?
Gustavo – A Feagro Buscamos ser eficientes na condição do manejo de gado leiteiro. Nossos produtores tem investido no cultivo à base de pasto baixando o investimento na suplementação alimentar. Podemos dizer que temos a melhor qualidade de leite do Brasil. A região do Vale de Braço do Norte se destaca com a criação do gado Jersey. A raça corresponde às condições topográficas e climáticas e consegue produzir um leite com alta concentração de gorduras que é o necessário para se ter boa qualidade.
Notisul – Além da suinocultura e a bovinocultura de leite, a piscicultura é uma atividade que está em expansão, sendo que a região já é considerada a maior produtora de peixe de água doce do Estado. A atividade é um bom investimento ao produtor?
Gustavo – Somos uma região que nos últimos 20 anos vem crescendo nessa cadeia produtiva fruto do trabalho da Epagri que tem disseminado a profissionalização da atividade. A maioria começou como uma atividade terciária para compor a renda. Hoje viemos galgando espaço e somos a primeira região produtora de peixe de água doce comercial do Estado. Com quase sete mil toneladas/ano somos referência no Estado. Evoluímos muito. Tínhamos muitos problemas na comercialização agora já temos cinco abatedouros locais, e todo o ciclo desse pescado fica na região. Era um ponto de estrangulamento da cadeia produtiva com os calotes e agora está sendo resolvido por meio da profissionalização de todas as etapas.
Notisul – Um dos projetos da Epagri é o incentivo ao consumo do pescado local por meio da inserção do alimento na merenda escolar. Como estão as tratativas?
Gustavo – Temos como foco a divulgação e o incentivo da inserção do peixe de boa procedência na merenda escolar dos municípios, mas temos uma legislação que ainda dificulta bastante, principalmente porque temos muitas cidades que não tem abatedouros locais. Pela questão do selo de inspeção de produtos de origem animal, os municípios teriam dificuldade de comprar o produto. Estamos estruturando esse eixo da cadeia para atender o maior número de municípios da região possível e levar aos gestores a importância da inserção deste produtor na merenda escolar. Já realizamos capacitações com as merendeiras. Temos alguns municípios que isso já está solidificado como Armazém. Se o Estado chegar a inserir o pescado na merenda, a nossa produção tende a aumentar, o que beneficiará a economia e ainda estaremos ofertando um produto de excelente qualidade de proteína animal às crianças.
Notisul – O trabalho de extensão rural é amplo e envolve uma série de sistemas burocráticos, sociais, e econômicos do meio rural. Nesse misto de serviços, quais as principais dificuldades do extensionista?
Gustavo – Acredito que o nosso principal desafio é entender que a agricultura é muito dinâmica e entendermos que o nosso conhecimento também deve ser aperfeiçoado constantemente. O extensionista precisa ter um tato e uma sutiliza muito grande, pois ele vai se envolver com a família ao ponto de sugerir mudanças na vida e no cotidiano, não só na área produtiva, mas também na área social discutindo relações, tabus. Por isso ele precisa estar se preparando e se capacitando rotineiramente. Ele é um ator com forte interferência na unidade familiar. E se não fizer isso com qualificação pode impactar de forma negativa a unidade. Então, entre todos os desafios, a necessidade de se renovar como técnico para interagir com a família de forma dinâmica para contribuir com o produtor é essencial.
Notisul – E do pequeno produtor? Quais as principais dificuldades?
Gustavo – Vivemos diferentes momentos na agricultura familiar. Antes a principal dificuldade eram condições básicas como infraestrutura, telefonia e meio de transporte. A trava maior hoje é a burocracia. Uma série de questionamentos ambientais, sendo que o produtor é um dos maiores conservadores do meio ambiente. Ele venceu o tabu de ser motivo de chacota, de ser chamado de matuto, de Mazaropi, de caipira. Nosso agricultor superou tudo isso. A mulher hoje já é protagonista no meio rural, o jovem já tem condição de despertar e ver a real importância. Todas essas questões precisam ser melhoradas, mas as maiores travas hoje são a legislação ambiental, de comercialização, serviços de inspeções, questão de aposentadoria rural, emissão do bloco rural, entre tantas outras dificuldades que o agricultor e nós como extensionistas temos para resolver.
Notisul – As feiras livres e espaços como o Mercado do Produtor, em Tubarão tem sido alvo de fiscalizações que dificultam a exposição e comercialização da produção local. Esses entraves afetam a economia rural?
Gustavo – Tenho respeito pelos órgãos fiscalizadores, no entanto, deve haver discussões sobre o tema. Os problemas não são as operações, mas a legislação. É claro que o agricultor se sente coagido, mas quem realiza as fiscalizações só está cumprindo a lei. O ideal seria rever as exigências legais para a comercialização dos produtos provenientes da agricultura familiar. Leis que garantam a saúde pública, mas que seja dada condição ao produtor, de uma forma mais simples, com menos investimento, poder apresentar seu produto. O grande problema das feiras hoje é que o consumidor quer um produto colonial e quando é colocado um rótulo já descaracteriza o produto que deve sair da propriedade sem nenhum processo de industrialização. É um assunto delicado. O que necessita é uma discussão mais ampliada sobre a legislação.
Notisul – Hoje, quando se fala em previsão do tempo a maioria da população busca informações no site da Epagri/Ciram. Como o centro de pesquisa conquistou a confiança e se tornou referência meteorológica à população?
Gustavo – A Epagri é uma empresa muito séria e comprometida com a sociedade e o Centro de Informações de Recursos Ambientais e de Hidrometeorologia de Santa Catarina (Ciram) é um exemplo disso. Conta com profissionais renomados que se preocupam em apresentar uma previsão precisa, o que realmente está sendo feito. E dentro dessa condição, notamos que há a confiança da sociedade. Até brincamos, porque uma das referências em meteorologia na região também é o Ronaldo Coutinho, que é um ex-funcionário da Epagri que decidiu investir no próprio negócio, mas é um colega nosso formado no nosso centro e até hoje mantém um diálogo utilizando ferramentas da Epagri na leitura e no processamento das informações. O Ciram tem o reconhecimento mais da área urbana, pois na área rural já temos essa proximidade, e isso é muito importante para a estatal.
Notisul – A região Sul é praticamente composta pelo agronegócio. Apesar da estatística, grande parte da população urbana desconhece as ações do meio rural. Como a Epagri atua nessa interação?
Gustavo – Se comprometer com o meio rural é contribuir com o meio urbano. Trabalhamos silenciosamente para o desenvolvimento dos produtores. Sabemos que se o nosso papel for bem feito no meio rural vamos conseguir além de minimizar o êxodo rural, por exemplo, também proporcionar o retorno dos agricultores que saíram e não lograram êxito no meio urbano. E assim torná-los protagonistas no meio rural para desenvolver cada vez mais a economia. A região de Tubarão é uma grande referência para a agricultura do Estado no desenvolvimento das cadeias produtivas e isso é fruto de muito trabalho e comprometimento. Vivenciamos uma economia que ainda tem como coluna vertebral o agronegócio. Se fizermos a nossa parte vamos manter a estrutura fortalecida. Queremos envolver o urbano nas nossas ações do meio rural para tentar desmistificar conceitos e estreitar essa relação entre o meio rural e o meio urbano, e isso só vai fazer bem a todos os habitantes.

Gustavo Gimi Santos Claudino: “Somos a ponte entre o produtor e o acesso às políticas públicas”

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Así lo expresó Domingo Possetto, secretario de la seccional Rafaela, quien además, afirmó que a los productores «habitualmente los ignoran los gobiernos». Además, reconoció la labor de los empresarios de las firmas locales y aseguró que están «esperanzados» con la negociación entre SanCor y Adecoagro.

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