Produtores de leite gaúchos enfrentam crise

Atrasos de pagamentos já atingem mais de 20 mil famílias e podem gerar efeito em cadeia na economia do Interior
Share on twitter
Share on facebook
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on email

 

Quando a primeira Operação Leite Compensado foi deflagrada, em maio de 2013, uma das primeiras reações veio dos produtores rurais, preocupados com os efeitos negativos da divulgação das fraudes. No entanto, o temor de que a corda arrebentaria do lado mais fraco só se concretizou recentemente, quando a falta de pagamento pelo leite entregue à indústria se tornou uma realidade incômoda e persistente para mais de 20 mil famílias que vivem da atividade no Estado.

Os atrasos têm sido registrados de três meses para cá, segundo apontam produtores e dirigentes sindicais. A primeira e mais óbvia razão para o fato é a dificuldade financeira enfrentada por laticínios que foram relacionados às adulterações e que pararam de operar ou venderam plantas industriais, deixando passivos entre credores, mesmo nos casos de recuperação judicial.

O outro motivo para o problema dos pagamentos também é financeiro, mas está vinculado à queda do consumo e à dificuldade de exportação do leite para outros estados. A produção gaúcha é quase três vezes superior à demanda interna. Dos 11 milhões de litros produzidos diariamente, apenas quatro milhões são destinados ao consumo dos gaúchos. Porém, o que pretensamente seria uma vantagem competitiva para o Estado frente aos demais nos últimos meses tem se tornado um problema. A alegação é a de que parte dos principais compradores de fora está deixando de adquirir o leite gaúcho.

O diretor da Cooperativa Mista São Luiz (Coopermil), Milton Rache, detalha que a empresa enfrenta dificuldade para comercializar a produção. Instalada no Noroeste do Estado, na região de Santa Rosa, a cooperativa tem 34 anos de atuação e vende 70% do leite coletado junto aos produtores para fora do Rio Grande do Sul. Só que desde outubro as vendas interestaduais vêm caindo. Segundo Rache, há supermercados divulgando que não comercializam leite gaúcho, mas o dirigente enxerga mais do que desinteresse dos consumidores na situação. Para ele, o contexto favorece a reserva de mercado por parte de outros estados que também têm uma forte cadeia leiteira, como Minas Gerais e São Paulo. “Eles estão protegendo a bacia deles e depreciando o nosso produto”, afirma.

Com leite sobrando, a cooperativa, quando consegue negociar a venda, precisa se submeter a fechar negócios por valores abaixo do praticado. “Nos impõem achatamento de preços.” Rache frisa que, em mais de três décadas de atuação, a Coopermil sempre honrou seus pagamentos, o que tem se mantido mesmo no cenário atual. “É uma crise mais forte do leite em relação aos outros anos”, dimensiona. Na grande Santa Rosa, os atrasos de pagamento têm sido registrados entre, pelo menos, três empresas – LBR, Santa Rita e Promilk –, afetando cerca de três mil famílias, segundo o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Três de Maio. Há, ainda, a Mondaí Laticínios, de Santa Catarina, que comprava leite dos produtores da região, mas que foi interditada em agosto do ano passado, após a realização de inspeção federal, e até hoje não efetuou todos os pagamentos entre os agricultores. Dos quatro laticínios inadimplentes, o que mantém mais tratativas para quitar as dívidas é a Santa Rita.

“Têm muitos produtores que migraram para a cooperativa e que vieram já solicitando adiantamento de pagamento para honrar dívidas que não estão conseguindo pagar”, comenta Rache. Como a produção da empresa já comporta a demanda dos clientes, a Coopermil tem limitação para agregar novos cooperados.
Sensação de impotência e vulnerabilidade é generalizada nos municípios produtores

O impacto das milhares de famílias com pagamentos pendentes gera uma preocupação de efeitos ainda mais graves no comércio e nos municípios com forte atividade leiteira, de maneira geral. “A sociedade do Rio Grande do Sul e o próprio governo do Estado ainda não se deram conta do caos social que está ocorrendo. Quando a Iesa demitiu 2 mil funcionários, houve uma grande comoção, agora estamos falando de 20 mil famílias”, alerta Nestor Bonfanti, primeiro tesoureiro da Fetag.

Como os produtores rurais só são remunerados pela produção mais de um mês depois da entrega do leite à indústria, a compra de produtos que subsidiam a produção como rações e medicamentos veterinários para os animais é feita a crédito. Sem pagamento, os boletos vencem sem serem quitados, criando uma situação de inadimplência que dificulta a produção. “Têm várias famílias nessa situação e a grande parte tem a única renda do leite”, comenta Bonfanti. “Em algumas localidades, os agricultores não têm dinheiro nem para pagar água. Conversei com alguns que não recebem da Promilk e da LBR e que não estão conseguindo financiamento e estão tendo cheques devolvidos.”

Assim, as despesas fixas do mês começam a acumular, e os empréstimos vão vencendo, sem que o produtor tenha previsibilidade de ganho ou de migração para outra empresa. “Onde não tem cooperativa forte, parece que virou rotina. Poucas empresas estão conseguindo fazer pagamentos”, detalha. Diante dessa situação, nem mesmo os agricultores que pensam em largar a atividade ou se desfazerem de alguns animais têm obtido êxito, porque em um cenário como este não há quem queria investir na compra de gado leiteiro.

O tesoureiro da Fetag relata que a situação é de desespero em municípios como Crissiumal. Nesta segunda-feira, os produtores irão realizar um panelaço na cidade para chamar atenção para o problema.
Perspectivas são negativas para a atividade

Em Santa Rosa, a prefeitura tem sido procurada por agricultores pedindo solução para o problema, reporta o diretor de Agropecuária da prefeitura da cidade, Aldir Mallmann. “A situação vai ficar bem caótica no município”, projeta. Os atrasos de pagamento já começam a afetar a cadeia de comércio e serviços agropecuários e tendem a gerar um efeito em cadeia, prevê. Mallmann contabiliza que, em Santa Rosa, há 200 famílias com atrasos de pagamento, mas ele reforça que toda a região enfrenta as mesmas dificuldades.

Segundo Mallmann, a Bom Gosto (marca da LBR) fez uma proposta de pagar 50% da dívida junto aos produtores, que deveriam abrir mão da outra metade dos débitos. “E, ainda assim, o valor seria pago em cinco vezes, com a condição de que os agricultores continuassem entregando leite para a indústria independentemente do valor que esteja sendo pago pelo litro”, crítica. “O produtor está pagando do próprio bolso. O preço do litro estava em R$ 0,90 e agora está com previsão de chegar a R$ 0,45. Vai gerar uma falência generalizada entre as propriedades. Tem produtor tentando vender o que é possível”, lamenta, mencionando que a perspectiva é crítica, podendo até inviabilizar a atividade em algumas regiões.

A reportagem não conseguiu contato com a LBR para confirmar as afirmações feitas pelo diretor de Agropecuária de Santa Rosa, mas obteve o mesmo relato do presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Três de Maio, Pedro Signori, que acrescenta ainda que a cadeia leiteira gaúcha passa por uma “crise profunda de preço e de sobra de produto no Estado. Rio de Janeiro e São Paulo não compram mais o nosso leite.” O dirigente demonstra apreensão com a perspectiva de que mais uma empresa, além das quatro já citadas, entre no escopo das inadimplentes.

O sentimento de impotência é relatado tanto por produtores quanto pelo poder público. Mallmann diz que, legalmente, a prefeitura de Santa Rosa não tem muito como contribuir, mas destacou que participa de um movimento para aprovar no Senado uma lei que coloque o produtor como um dos credores prioritários a receber valores pendentes nos casos de recuperação judicial, como ocorre com direitos trabalhistas.

O Jornal do Comércio também tentou, sem sucesso, contato com a Mondaí Laticínios. Já a Promilk informa em sua página na internet que enfrenta crise financeira e está em recuperação judicial pela falta de pagamentos por parte de uma grande indústria do Estado. Um dos principais compradores de leite da Promilk, que intermediava a venda entre produtores e laticínios, era a LBR.
Criação de gado leiteiro está deixando de ser rentável aos agricultores

Com um valor a receber da Santa Rita Laticínios, estimado em R$ 68 mil, o produtor Nardeli Cassel, de Santo Ângelo, diz que só tem conseguido se manter porque atua, também, com suinocultura e lavoura de soja, trigo e milho. No entanto, a maior parte da renda mensal vem do leite. Agricultor há 30 anos, Cassel investiu pesado na cadeia leiteira há 12 anos e via na atividade uma oportunidade promissora para o filho, formado em administração. “O leite era uma alternativa, mas está sendo um banho de água fria”, lamenta. “Eu vejo a situação de produtores que vivem exclusivamente do leite e de muita gente que sempre foi correta com pagamentos e que agora enfrenta muita dificuldade”, comenta.

Em Três Passos, o pecuarista João Ari de Souza diz que só não abandona a produção de leite porque tanto a esposa quanto os dois filhos, assim como ele, gostam de atuar no ramo. “Eu já teria colocado tudo à venda, mas eu tenho uma resistência em casa. Embora eu também goste da atividade, a diferença é que eu não estou vendo luz alguma na frente”, afirma. Até dezembro, Souza comercializava a produção apenas para a Santa Rita Laticínios. Nesta semana, o valor que tem para receber da empresa chega a R$ 45 mil. O produtor conseguiu migrar, há poucos dias, como fornecedor de outra empresa, a Nestle.

Souza conta que tem conseguido se manter porque tinha uma reserva financeira, que já se esgotou. No momento, a conta bancária dele está negativa em R$ 6 mil. “Eu paguei os últimos boletos na sexta-feira, daqui para frente não tenho mais nada.” Para completar o quadro, há mais contas a vencer nos próximos dias, a maior delas é a prestação da propriedade rural que ele adquiriu há um ano e meio, no valor de R$ 15 mil. “Quando se fala em R$ 40 mil para receber por dois meses de produção, pode até parecer que estamos ganhando dinheiro, mas, desse total, nós só ficamos com uns 20% para sustentar nossas famílias, o resto é custo de produção. Para tudo que a gente compra é emitido um boleto na hora. O único burro nessa história é o produtor, que vende soja, milho, porco e leite sem saber quanto e nem quando vai receber”, desabafa. “A situação de todo mundo é igual ou pior. Existem pessoas fora de si aqui, que adoeceram, gente que já no primeiro mês ameaçou se matar, porque são pessoas boas, honestas, mas não têm como enfrentar esse problema.”
Santa Rita deverá apresentar hoje proposta de pagamento de dívidas

Na manhã desta segunda-feira, produtores rurais e dirigentes sindicais se reúnem com representantes da Santa Rita Laticínios, na sede da Fetag, em Porto Alegre, para firmar acordo quanto ao pagamento dos valores restantes devidos aos pecuaristas. A empresa se comprometeu, na última semana, a pagar 10% da dívida na quinta-feira passada.

A Santa Rita Laticínios opera em Estrela desde abril do ano passado, a partir da aquisição da VRS Laticínios (produtora do leite Latvida), e justificou, por nota, que os atrasos nos pagamentos aos produtores rurais ocorreram em função do agravamento na crise de preço que afeta o mercado de laticínios. Os advogados da empresa dizem que a expectativa é de que a situação melhore a partir de fevereiro com o tradicional aquecimento do mercado e o realinhamento dos preços.

http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=184169

Mirá También

Así lo expresó Domingo Possetto, secretario de la seccional Rafaela, quien además, afirmó que a los productores «habitualmente los ignoran los gobiernos». Además, reconoció la labor de los empresarios de las firmas locales y aseguró que están «esperanzados» con la negociación entre SanCor y Adecoagro.

Te puede interesar

Notas
Relacionadas