O Brasil sofre de miopia em relação í sua verdadeira vocação industrial. Temos um parque automobilístico moderno, mas que hoje precisa de incentivo fiscal, como a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), para ajudar a economia a crescer. No setor tíªxtil, fomos ultrapassados pelos produtores chineses, coreanos e por vizinhos latino-americanos que tíªm ajuda do governo por meio de subsídios. Basta uma olhada nos números do PIB do 2.º trimestre para saber onde o Brasil deveria apostar as suas principais fichas: na agroindústria.
A economia brasileira cresceu 0,4% no 2.º trimestre deste ano, na comparação com o 1.º trimestre. E foi a agropecuária que sustentou essa alta, diga-se, muito aquém do que se esperava. O setor expandiu-se 4,9%, com destaque para uma safra recorde de milho e uma colheita abundante de café.
Se, no passado, o País tivesse escolhido a agroindústria como uma de suas prioridades, certamente já teríamos ultrapassado os EUA como maior produtor mundial de alimentos.
Ter um parque industrial diversificado é importante, mas é fato também que cada nação deve focar os setores em que pode ser mais forte para competir com vantagem no mundo globalizado. Tome o exemplo do Japão. O país fez uma transição gradual de sua indústria tíªxtil, de ferro e aço e de construção naval para automóveis, maquinaria e engenharia. Depois, focou nas indústrias de alta tecnologia, como computadores, semicondutores e eletrí´nica. A Alemanha, por sua vez, incrementou o setor de construção de máquinas e equipamentos, que
hoje já é o segundo maior da indústria alemã. Esse setor se caracteriza por empresas médias, com flexibilidade em reduzir ou aumentar a jornada de trabalho e grande capacidade tecnológica. Perde em tamanho apenas para o setor automobilístico.
Veja por que o Brasil poderia ser uma superpotíªncia do campo. O País já tem 388 milhões de hectares cultiváveis, com alta produtividade, e mais 90 milhões ainda por cultivar. Até terras que eram improdutivas, como o Cerrado, se tornaram produtivas graças í tecnologia desenvolvida pela Embrapa. Quase 13% da água doce disponível no planeta está no Brasil. O clima é diversificado e o regime de chuvas, regular. Hoje, é possível colher tríªs safras por ano, com muita tranquilidade. São essas as condições suficientes para que o País lidere a produção e a venda de alimentos no mundo.
Poderíamos ter aproveitado esses atributos para criar uma indústria capaz de agregar valor í carne bovina, ao suco de laranja, ao frango, ao café. Por que exportar esses produtos como simples commodities, com preço muito mais baixo do que o pago pelo produto industrializado? Por que o café da Colí´mbia conquistou fama mundial, e não o brasileiro? A Alemanha, que não planta café, é atualmente um dos maiores produtores de café industrializado do mundo. Ora, essa função é do Brasil.
Uma das explicações é que o agronegócio sempre foi considerado uma atividade «menor» entre os setores da indústria. Existe, sim, um problema cultural entre nós, uma espécie de preconceito velado, que vem causando prejuízo ao longo dos anos. A agricultura, para a elite, é uma atividade inferior í produção de automóveis ou maquinário. Nos EUA, criou-se um parque industrial sofisticado, mas a agricultura nunca foi deixada em segundo plano.
O estudo do governo Brasil – Projeções do Agronegócio mostra que a expectativa é de que a safra de grãos cresça 23% em uma década, com o incremento de 32,9 milhões de toneladas, para um total de 175,8 milhões de toneladas em 2020/2021.
Isso levando em conta as culturas de arroz, feijão, soja, milho e trigo. Como se víª, dá para recuperar o prejuízo. O governo precisa investir em infraestrutura para que os produtos agrícolas sejam postos com rapidez no mercado internacional. A falta de ferrovias e as estradas ruins fazem nossos produtos perderem competitividade.
í‰ preciso corrigir essa miopia em relação ao agronegócio.
Por José Milton Dallari*, O Estado de São Paulo