Anunciado pelo governo brasileiro no início de junho deste ano, o Plano Agrícola e Pecuário 2013/2014 deverá aplicar 18% a mais de recursos para o setor em comparação com a safra recém-encerrada, constituindo o maior aporte de recursos já destinados ao segmento no Brasil. O financiamento da ordem de R$ 136 bilhões deverá ser destinado a grandes e médios produtores, í modernização de armazéns para estocagem, í melhoria da logística e í adequação da infraestrutura para dar seguimento í comercialização de produtos. Durante o lançamento do plano, foram criados o Serviço Nacional de Assistíªncia Técnica e Extensão Rural e o Programa Inovagro, que deve destinar R$ 3 bilhões para o agronegócio, com R$ 2 bilhões para pesquisa e desenvolvimento de máquinas e equipamentos e R$ 1 bilhão para que os produtores rurais incorporem novas tecnologias. Os investimentos destinados ao agronegócio como um todo refletem a grande contribuição que o setor tem dado í economia brasileira, que resulta em um mercado agropecuário interno forte e uma balança comercial que gera mais de R$ 220 bilhões a cada ano.
Conforme ressaltou o presidente da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) durante o lançamento do Plano, os temas abordados tíªm interface direta com as pesquisas feitas pela empresa. Exemplo disso é o Programa Inovagro que deverá levar a inovação tecnológica ao campo, fomentando o acesso a tecnologias relacionadas a temas de extrema releví¢ncia para o setor na atualidade, como agricultura de precisão, cultivo protegido, automação para a avicultura e suinocultura, atualização tecnológica da bovinocultura de leite, entre outras tecnologias geradas pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e pela Embrapa. Para Ricardo Yassushi Inamassu, engenheiro mecí¢nico e pesquisador da Embrapa Instrumentação, o crescimento vivenciado pelo setor nos últimos trinta anos é um reflexo direto de sua avidez por inovação e de sua capacidade de incorporação de novas tecnologias.
Dispondo de condições muito favoráveis, as quais, em tempos passados, poderiam ser consideradas como determinantes do íªxito de empreendimentos agropecuários – como a grande disponibilidade de área para a produção de grãos, carnes e plantios florestais comerciais, entre 12 e 18% da água doce do planeta, existíªncia de insolação e chuvas regulares na maioria das regiões brasileiras –, o sucesso da produtividade no país depende hoje, acima de tudo, de investimentos em infraestrutura, especialmente em transporte rodoviário para escoamento da produção, na pesquisa e desenvolvimento, em telecomunicações, na irrigação e em energia elétrica, conforme aponta o artigo recente da Assessoria de Gestão Estratégica do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), intitulado “Produtividade e crescimento: algumas comparaçõesâ€.
A análise realizada pela assessoria do Mapa tem como base uma pesquisa considerada uma das mais importantes contribuições ao estudo da agricultura mundial, intitulada “Productivity growth in agriculture: an international perspectiveâ€, realizada por técnicos do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA), que analisa a elevação da produtividade agrícola em 156 países. Nesse estudo, o Brasil e a China despontam como expoentes do crescimento da produção mundial, bem como da produtividade entre os anos de 2001 e 2009, fato atribuído pelos autores aos pesados investimentos em pesquisa e extensão feitos em ambos os países. Os dados sobre o crescimento no Brasil mostram que a produção agrícola cresceu nos últimos 37 anos a uma média anual de 3,77%, enquanto o uso de insumos, 0,20% ao ano, percentual baixo que foi acentuado por uma taxa média negativa de crescimento (-0,8%) no uso de insumos na última década. De acordo com José Garcia Gasques e seus colaboradores, no artigo, a mudança da qualidade dos insumos em geral, tais como máquinas agrícolas, defensivos e fertilizantes tem sido outra fonte de aumento da produtividade.
O impacto das atividades de pesquisa e desenvolvimento sobre a produtividade total dos fatores (PTF) – cálculo feito a partir da divisão entre a produção nas lavouras e na pecuária sobre os insumos utilizados no campo, entre os quais trabalhadores rurais, máquinas agrícolas, defensivos e fertilizantes –, contribui para o elevado percentual do crescimento da produção agrícola no Brasil através de tecnologias voltadas para uma maior precisão e eficiíªncia das operações no campo, do melhoramento genético e outros aperfeiçoamentos introduzidos nos principais cultivos comerciais visando uma maior produtividade, a resistíªncia í s pragas e doenças e í s mudanças climáticas, como destaca o artigo da assessoria estratégica do Mapa. Por outro lado, os aumentos de produtividade do trabalho e da terra devem-se, em grande parte, a um uso mais intensivo de fertilizantes, í utilização de máquinas agrícolas mais eficientes, e í incorporação de novas áreas no Centro-Oeste e, atualmente,no Centro-Nordeste do país, segundo a análise da assessoria.
Racionalização de insumos
De forma geral, pode-se dizer que para que o setor dos agronegócios permaneça competitivo, cada vez mais o uso abundante de insumos materiais deverá dar lugar ao uso intensivo de recursos intelectuais. Nesse sentido, o acesso e a utilização da agricultura de precisão (AP) de uma forma mais massificada deverão permitir a distribuição otimizada de insumos e, por consequíªncia, a sua racionalização, impactando num segundo momento a produtividade das lavouras, explica José Paulo Molin, engenheiro agrícola, pesquisador da Escola Superior de Agricultura “Luiz de Queiroz†(Esalq) da Universidade de São Paulo (USP) e presidente da Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão (CBAP), criada em setembro de 2012 pelo Mapa. Além de aumentar o potencial produtivo e o retorno econí´mico através de um melhor aproveitamento do solo, o uso da AP diminui o impacto ao meio ambiente, reduzindo o uso de agroquímicos e, consequentemente, uma parcela importante dos gases de efeito estufa relacionados í s mudanças climáticas. “Pode-se afirmar, portanto, que o benefício da agricultura de precisão é a sustentabilidade da nossa agriculturaâ€, resume Inamasu, da Embrapa.
A despeito de suas diversas formas de abordagem, o objetivo da AP consiste na utilização de estratégias para solucionar problemas de desuniformidade nas lavouras e, se possível, tirar proveito dessas desuniformidades. “A natureza não fez o campo uniforme, ou seja, há diferenças. Um setor pode produzir tríªs a quatro vezes mais do que outro em uma mesma propriedadeâ€, afirma o pesquisador da Embrapa. Ele explica que apesar dessa diferença, a agricultura convencional trata todas as áreas como iguais. “A agricultura de precisão deve respeitar essas diferenças realizando gestão da informação e da variabilidade espacialâ€, acrescenta Inamasu. Como detalha o Boletim técnico – agricultura de precisão, elaborado pelo Mapa, a AP é um conjunto de práticas que podem ser desenvolvidas em diferentes níveis de complexidade e com diferentes objetivos, podendo ser considerada um sistema de gestão que leva em conta a variabilidade espacial das lavouras em todos seus aspectos: produtividade, solo, infestação de ervas daninhas, doenças e pragas.
Para Inamasu, embora os conceitos da AP sejam simples, as ferramentas talvez ainda não tenham encontrado sintonia para deslanchar no país. â€As tecnologias devem estar adequadas e o setor preparado para que a inovação ocorra, ou seja, tem que haver sintonia entre as tecnologias ofertadas e os seus potenciais usuáriosâ€, esclarece. â€œí‰ sabido que há sempre um grupo de inovadores que adotam as tecnologias em um primeiro momento. Entendo que no contexto da agricultura de precisão (AP), já superamos essa etapa e estamos em uma fase de adoção com certa massificaçãoâ€, acrescenta Molin, da Esalq/USP.Tendo em vista estimular a adoção da utilização da AP, o Mapa criou, em setembro de 2012, a CBAP com a missão de subsidiar o governo no tema AP. Entretanto, o presidente dessa comissão observa que até o momento não existem grandes programas para o incentivo da AP e que as instituições públicas iniciam sua aproximação com o tema de forma ainda incipiente. “Para esse tema, pode-se dizer que as políticas públicas oficiais são ainda recentes e podemos aguardar para breve medida efetivaâ€, afirma o engenheiro da Embrapa.
Outros esforços indiretos realizados no sentido de aumentar o acesso a essa tecnologia, segundo Inamasu, referem-se ao incentivo í compra e disponibilização de máquinas aos agricultores. “São máquinas programáveis que permitem ao agricultor realizar a gestão da variabilidade espacial da lavouraâ€. Ele destaca que, além disso, o fomento í pesquisa também oferece aporte indireto a essa tecnologia através de esforços como a criação Rede de Pesquisa em Agricultura de Precisão da Embrapa e a construção do Laboratório de Referíªncia Nacional em Agricultura de Precisão.
Sobre os gargalos desse sistema de gestão de informações, as dificuldades referem-se í aplicação das ferramentas já disponíveis ao agricultor, ou seja, como tratar as diferenças encontradas nas áreas, uma vez que, até o momento, todo o conhecimento agroní´mico foi construído tendo como base a agricultura convencional. Nesse sentido, programas de pós-graduação como o da Esalq/USP e da Universidade Federal de Viçosa foram pioneiros há quinze anos e, atualmente, vários programas atuam no tema. Com relação í s ferramentas, o engenheiro da Embrapa explica que é necessário que as máquinas e os equipamentos avancem na padronização da comunicação eletrí´nica em busca de conexões mais intercambiáveis. “Isso, permitiria aos produtores aproveitar as opções de mercado; aos fabricantes, reduzirem seus custos e o setor ser menos vulnerável í obsolescíªncia de componentes embarcados em máquinasâ€, afirma Inamasu.
Para Molin, da Esalq, o maior desafio, ao se analisar a disponibilidade de tecnologias para o setor, refere-se í autonomia local. “Nós temos uma grande dependíªncia de equipamentos importados e a indústria local de máquinas e equipamentos é dominada por empresas transnacionaisâ€, explica. Para ele, a geração de soluções tecnológicas locais deve ser o foco, entretanto, diz que a quantidade de massa crítica na pesquisa e desenvolvimento tecnológico é ainda insuficiente.
O complexo sucroalcooleiro
No í¢mbito dos agronegócios, outro setor a enfrentar desafios tecnológicos é o complexo sucroalcooleiro. Embora o Brasil seja o maior produtor mundial de cana, que atualmente compreende produtos exportados entre os de maior destaque em nossa balança comercial, nas últimas tríªs safras, o país tem enfrentado queda de produtividade, deixando de possuir a indústria mais competitiva do mundo. De acordo com o artigo “A evolução das tecnologias agrícolas do setorsucroenergético: estagnação passageira ou crise estrutural?â€, as verificadas quedas na produtividade seriam consequíªncia de fatores estruturais, mais especificamente, da existíªncia de uma defasagem tecnológica. Segundo os autores do artigo, há uma enorme discrepí¢ncia entre o rendimento médio atual da cultura na região centro-sul e o potencial teoricamente estimado, que seria 5 a 7 vezes superior que o rendimento real.
A fim de superar os desafios tecnológicos diagnosticados, o estudo sugere que é necessário o desenvolvimento de novas variedades de cana-de-açúcar, através do melhoramento genético e técnicas de transgenia; máquinas e implementos para plantio e colheita de cana-de-açúcar, com íªnfase na ampliação do uso de técnicas de agricultura de precisão; sistemas integrados de manejo, planejamento e controle da produção; técnicas mais ágeis e eficientes de propagação de mudas; e variedades, máquinas e equipamentos agrícolas e adaptação de sistemas industriais para culturas energéticas compatíveis, complementares ou consorciáveis com o ciclo produtivo da cana-de-açúcar, como cana-energia e sorgo sacarino.
Artur Yabe Milanez, gerente do Departamento de Biocombustíveis da írea Industrial do Banco Nacional do Desenvolvimento Econí´mico e Social (BNDES), aponta que iniciativas como o Programa de Apoio í Inovação dos Setores Sucroenergético e Sucroquímico (Paiss), com recursos do BNDES e da Agíªncia Brasileira da Inovação (Finep, antiga Financiadora de Estudos e Projetos), resultou em mais de R$ 3 bilhões de investimentos em tecnologias industriais para produção de etanol de segunda geração bem como de produtos químicos obtidos a partir da cana. Segundo Milanez, eles servirão para melhorar o aproveitamento da cana, por meio da utilização do bagaço e da palha, assim como para diversificar e agregar mais valor ao setor, incrementando sua sustentabilidade econí´mica, uma vez que as tecnologias sejam validadas e escalonadas a nível comercial. Ainda que as tecnologias industriais para o setor estejam sendo bem atendidas, Milanez reconhece que ele também precisa evoluir nas tecnologias voltadas í etapa agrícola da produção de etanol, demanda que, segundo ele, poderá ser parcialmente suprida pela elaboração de um “Paiss agrícola†que vem sendo discutido entre o BNDES e a Finep. “A iniciativa buscará fomentar o desenvolvimento de novas variedades de cana e o desenvolvimento de máquinas e equipamentos agrícolas para o setorâ€, explica.
Os ganhos decrescentes da produtividade agrícola ao longo das últimas décadas devem-se, em grande medida, í baixa atratividade que o setor apresenta ao investimento privado em pesquisa e desenvolvimento, por não gerar retorno econí´mico suficiente para justificar tais investimentos. “Tal situação deriva basicamente de dois fatores: o mercado de cana pouco relevante e maiores desafios relacionados í P&D agrícola em cana, devido í maior complexidade genética e elevados volumes de biomassa a serem manejadosâ€, explica Milanez.
Em relação aos desafios e perspectivas para o futuro, Milanez espera que as tecnologias industriais fomentadas pelo Paiss, caso demonstrem viabilidade econí´mica, sejam disseminadas para as mais 400 usinas do Brasil, proporcionando aumento de até 40% da nossa capacidade de produção de etanol. Ele ressalta que, para a frente agrícola, é oportuna a criação de mecanismos de fomento que acelerem o desenvolvimento de novas variedades de cana, com íªnfase no emprego da transgenia, bem como o desenvolvimento de máquinas e equipamentos agrícolas mais eficientes.
Como pondera Inamasu, de forma mais geral, observa-se uma enorme oportunidade de o país criar tecnologias próprias aplicadas í agricultura. Essas tecnologias e produtos, para serem efetivamente integradas pela agricultura tropical, devem ainda ser reinventadas. “Vale lembrar que esse desafio é enorme, pois a agricultura não é necessariamente uma ciíªncia dura quanto se trata de inovação no campoâ€, destaca. Para tanto, há necessidade de um grande mutirão para que conhecimentos antes setorizados integrem e convirjam de forma a ajudar a construir uma agricultura mais sustentável.
Por Cintia Cavalcanti
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