Portugal:Lesados do leite

Depois dos lesados do BES e do Banif, é tempo de o nosso país dar alguma atenção aos milhares de produtores de leite que todos os dias perdem dinheiro num negócio onde trabalham e investiram todas as poupanças.
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Trago aqui três casos reais, preservando a sua identidade por serem apenas exemplos de outras centenas de casos idênticos entre as 5300 explorações leiteiras que ainda resistem em Portugal.

«A» é produtor de leite no Minho e tem 70 vacas em ordenha. Trabalha com a ajuda da esposa e do filho mais velho. Vende o leite a um comprador que o revende a queijarias ou indústrias em Portugal ou Espanha. Em janeiro de 2015, vendia cada litro de leite a 30 cêntimos, em março passou a receber 27, em maio 24, em agosto 20 cêntimos/litro, voltou a 24 em outubro e caiu para 19,4 em dezembro. Em janeiro manteve-se na casa dos 19. Em fevereiro… bem, caminhamos para o fim de abril e ainda não lhe pagaram o leite que entregou em fevereiro e devia ter recebido há mais de um mês, para poder pagar a prestação do banco e as contas aos fornecedores! Como ele, estão muitas dezenas de produtores. Tenhamos em conta que, em setembro de 2015, segundo um gabinete de gestão agrícola, produzir um litro de leite custava entre 27 e 37 cêntimos (até chegar a consumidor, é preciso adicionar custos de transporte, pasteurização, embalagem, armazenamento e IVA).

«B» trabalha com três familiares noutra exploração vizinha de «A», com cerca de 40 vacas. Vende o leite a uma cooperativa a cerca de 29 cêntimos. Com a evolução do mercado, nomeadamente com o «fecho» de Espanha à importação de leite português, em 2016 reduziram-lhe o contrato em 13%. Teve de «apertar o cinto». Já mandou abater 10 vacas, pois o leite produzido fora do contrato seria apenas pago a 14 cêntimos e o restante seria reduzido em 2 cêntimos/litro.

«C» está mais a Sul e vende o leite a uma empresa privada de laticínios, a 27 cêntimos/litro, que lhe impôs uma redução de 25% da produção. Vendeu 50 vacas e novilhas. Os seus vizinhos estão na mesma situação e colocaram à venda a terra que acabaram de comprar, porque também têm de reduzir a produção.

Podia encher as páginas do jornal com casos semelhantes e outros mais graves, muitos dos quais desconheço, por causa da «pobreza» envergonhada que afeta gente que trabalha de sol a sol em terras e vacarias erguidas pelo trabalho de gerações. Qualquer comercial que visita explorações leiteiras do Norte ao Sul terá muitas histórias tristes para contar, desde arrestos de tribunal até gente idosa com lágrimas nos olhos porque não consegue pagar aquilo a que se comprometeu.

Faria sentido aconselhar estas pessoas a esquecer as vacas e mudar de vida, se pudessem, se não tivessem todas as economias enterradas neste negócio, em construções e equipamentos específicos, se não tivessem que deitar fora toda a formação e toda a experiência acumulados ao longo de décadas. Faria sentido, se não fôssemos competitivos, mas o preço ao produtor está há seis anos abaixo da média comunitária. Faria sentido se houvesse excesso de leite no nosso país, mas Portugal importa por ano 500 milhões de euros em produtos lácteos, dos quais 300 milhões em queijo e iogurtes. Dados do INE, citados pela ANIL, indicam que em fevereiro, face a 2015, as importações aumentaram 2,8% e as exportações caíram 25,7%. Houve ainda um aumento de 15,9% na importação de queijo e 5,5% de iogurtes. Fazem sentido as pequenas ajudas anunciadas pelo Governo, porque «em tempo de fome migalhas são pão». Mas são apenas migalhas. Porém, faz sobretudo sentido lembrar que podemos salvar esta gente da ruína se as nossas cadeias de supermercados e as nossas indústrias de laticínios forem capazes de se entender para substituir as importações por produto nacional, pago a um preço sustentável. Haja homens de boa vontade com força para negociar!

CARLOS NEVES, PRESIDENTE DA APROLEP

http://www.jn.pt/opiniao/convidados/interior/lesados-do-leite-5142336.html

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Así lo expresó Domingo Possetto, secretario de la seccional Rafaela, quien además, afirmó que a los productores «habitualmente los ignoran los gobiernos». Además, reconoció la labor de los empresarios de las firmas locales y aseguró que están «esperanzados» con la negociación entre SanCor y Adecoagro.

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