A desaceleração da economia chinesa tem preocupado grande parte do mundo, sobretudo os países que exportam muito para o gigante asiático, como o Brasil. A China já é o maior país importador de produtos brasileiros do mundo, sendo o principal destino do minério de ferro e da soja produzidos aqui. Em 2012, deve se tornar também o país que mais exporta para o Brasil.
í‰ natural que uma redução do crescimento chiníªs coloque em alerta os exportadores e o governo brasileiro. A China vem de sete trimestres consecutivos de desaceleração, embora tenha havido uma melhora, anualizada, nos últimos dois trimestres. Mas os especialistas apontam que a China está mais fazendo uma correção de rumo consciente no seu crescimento, pensando no longo prazo, do que sendo vítima de uma desaceleração que não consegue contornar. â€A China ainda pode crescer 8% ao ano por mais 20 anos; estamos fazendo uma aterrissagem suave, por nossa iniciativa, porque queremos um crescimento de alta qualidadeâ€, disse o embaixador da China no Brasil, Li Jinzhang, ao participar na semana passada da Conferíªncia Internacional do Conselho Empresarial Brasil-China, em São Paulo.
Para manter o fluxo de exportações para a China nesse novo cenário, o Brasil dependerá, mais do que nunca, da força que vem do campo. Os especialistas que participaram da conferíªncia são uní¢nimes em acreditar que as conclusões do 18º Congresso do Partido Comunista Chiníªs, realizado neste míªs, mostram que o novo governo vai aprofundar a migração do crescimento chiníªs do eixo dos investimentos para o eixo do consumo, e do foco nas exportações para o desenvolvimento do mercado interno.
Essa mudança tende a afetar de forma diferente os principais itens da exportação brasileira para a China. Do lado do minério de ferro, a redução dos investimentos chineses já afeta duramente a demanda e os preços internacionais. “No pico do mercado imobiliário, a construção consumia 40% do aço chiníªs, mas esse mercado cresce hoje a ‘apenas’ 15%, metade do ritmo dos últimos dois anosâ€, explica Nicholas Lardy, especialista em China do Instituto Peterson para Economia Internacional, de Washington DC, Estados Unidos.
Mas do lado dos produtos agropecuários, liderados na pauta de exportação para a China pela soja, o estímulo ao consumo e o foco da economia chinesa no mercado interno podem ser favoráveis. “A solução para manter o crescimento é aumentar o consumo, que representa só 39% do PIB chiníªs, enquanto os investimentos estão na estratosfera, a quase 50% do PIBâ€, explica Lardy.
Com mais estímulo ao consumo, a tendíªncia é que uma parte considerável dos recursos gastos adicionalmente sejam direcionados a uma melhor alimentação. “O foco da China no mercado interno tende a favorecer muito os alimentos processadosâ€, afirma o presidente da Brasil Foods (BRF), José Antonio do Prado Fay. A empresa, uma das maiores processadoras de proteína animal do mundo, fechou uma sociedade com um grupo chiníªs para distribuir seus produtos no país asiático e pode construir uma fábrica por lá em 2014.
Os impactos dessas mudanças macroeconí´micas chinesas já apareceram na balança comercial brasileira. De janeiro a outubro de 2012, as exportações de soja em grão para a China cresceram 19,2% em valor e 12,3% em volume sobre o mesmo período de 2011, enquanto os embarques de minério de ferro caíram 25,9% em valor e subiram 2,3% em volume. Os dados até outubro apontam, inclusive, uma inversão histórica na posição desses dois produtos na pauta de exportações í China. Foram US$ 11,976 bilhões em embarques de soja e US$ 11,962 bilhões em minério de ferro, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (MDIC).
Essa mudança da pauta segue a alteração de prioridades do governo chiníªs, depois de vários anos de altíssimos investimentos, estimulados ou realizados diretamente pelo governo para enfrentar a desaceleração da economia global e a consequente queda das exportações para os países desenvolvidos. “A China construiu em dois anos a infraestrutura de cinco anos, mas não se pode fazer cinco anos em dois sempreâ€, diz Lardy.
Construir centenas de pontes, estradas, linhas férreas e conjuntos habitacionais demandou quantidades enormes de aço, o que aqueceu a demanda e os preços globais do minério de ferro. Agora, no entanto, “os anos de exuberí¢ncia, com crescimento de 8% a 10% ao ano, acabaramâ€, reconhece o diretor-executivo de Finanças e Relações com Investidores da Vale, Luciano Siani. “Mas a urbanização chinesa está a meio caminho, e um crescimento de 3% a 4% na demanda por minério na China representam um aumento de 30 milhões de toneladas, o que é muito em termos absolutosâ€, pondera.
A urbanização também tende a levar a China a importar cada vez mais itens alimentícios, já que há uma redução da mão de obra rural e um novo patamar de consumo com os salários urbanos. â€Em 2011 a urbanização na China superou 50%, mas ainda veremos 10 milhões de pessoas mudando todos os anos para as cidades pelos próximos 20 a 30 anosâ€, diz o embaixador da China no Brasil, Li Jinzhang.
Desafio histórico
Mudar o rumo de um navio colossal como a China não é fácil. O alto nível de investimento da economia chinesa decorre, por exemplo, da inigualável taxa de poupança chinesa, que se coloca como desafio a uma economia interna mais diní¢mica. Mesmo com uma renda média baixa, a família chinesa guarda em média metade do que ganha. Para fazer esse dinheiro circular na economia e minimizar a crise externa, o governo baixou as taxas de juros pagas pelos bancos para níveis abaixo da inflação, o que fez com que muitas famílias de classe média preferissem comprar um imóvel e ganhar com a valorização do que deixar o dinheiro perdendo valor nos bancos. Hoje, cerca de 15% da população urbana tem mais de uma casa por família.
A expectativa do governo é que agora, com os preços dos imóveis baixando com a redução dos estímulos estatais, parte desses recursos que eram guardados todo o míªs passem a virar consumo de bens e serviços. Assim, movimenta-se a economia de forma mais duradoura e com menos dependíªncia do Estado.
O desafio é mudar uma cultura bem arraigada de poupar muito — problema exatamente oposto ao da economia brasileira. Historicamente, a população chinesa está acostumada a poupar porque não tem acesso gratuito ao sistema de saúde e í aposentadoria. Quem não poupa, fica sem médico, sem remédio, sem dinheiro para quando a velhice lhes exclui do mercado de trabalho. “O estímulo ao consumo passa pela criação de uma rede de proteção social na China, para dar segurança para a população gastar seu dinheiroâ€, afirma Lardy.
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