A rotina de uma campeã em produção

Producao - Para quem vem pela Rodovia Anhanguera, sentido interior–capital de São Paulo, a entrada é discreta, à direita, sem nenhuma sinalização, cerca de 10 quilômetros
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Para quem vem pela Rodovia Anhanguera, sentido interior–capital de São Paulo, a entrada é discreta, à direita, sem nenhuma sinalização, cerca de 10 quilômetros antes da área urbana de Araras, na região de Campinas, SP. O asfalto da estradinha interna mais parece um típico acesso para inúmeras cidadezinhas do interior. Mas logo uma placa junto a uma guarita simples dá a dica: você está chegando a uma propriedade certificada como livre de brucelose e de tuberculose. Ao percorrer quatro quilômetros adentro se percebe que ali há algo grandioso. Você acabou de chegar à Fazenda Colorado I, há três anos considerada a maior produtora de leite do Brasil, com média girando ao redor de 70 mil litros/dia, e pico de 74 mil litros em setembro passado. Além do volume, a Colorado é dona da marca Xandô, de leite tipo A, distribuído na Grande São Paulo e em outros municípios paulistas.
Para galgar este status no mercado, investiu muito nos últimos dez anos, sobretudo em estruturas que garantissem o bem-estar, o conforto e a qualidade ambiental para o rebanho. Não é por acaso que o duo ambiente/manejo forma, junto com a nutrição e a genética, o tripé de sustentação de toda a estrutura produtiva e qualitativa da Colorado. Os números ultrapassam a média da pecuária leiteira brasileira. A fazenda usa apenas 600 dos seus 1.700 hectares para o leite (em sistema intensivo), mantendo 2.050 fêmeas Holandesas, sendo 1.750 em lactação, com uma produção de 39 litros/vaca/dia totalizando aproximadamente 69.000 litros/dia (média de janeiro/2017).
A direção da fazenda garante que o nível sanitário do rebanho é alto. De acordo com o gerente de Pecuária, Sérgio Soriano, a contagem de células somáticas (CSS – cujo número indica a presença de mastite) e a contagem bacteriana total (CBT – que totaliza a presença de agentes contaminantes no leite) somam no máximo até 300.000 células e 5.000 UFC/ml (unidades formadoras de colônias por mililitro), respectivamente. Os números são significativamente inferiores aos limites máximos de 400.000 células e 100.000 UFC/ml estabelecidos pela Instrução Normativa 62, do Ministério da Agricultura.
A história da propriedade supera meio século (o leite Xandô veio depois, mas já com 35 anos de mercado), e seu início foi discreto em comparação com o gigantismo de hoje. Tudo começou em 1964, com a compra de parte da Fazenda São José (cujos relatos de produção de leite partem dos idos de 1872) pelo empresário Lair Antônio de Souza. Logo as terras foram rebatizadas como Colorado. “Quando comecei a trabalhar na fazenda, há 40 anos, sua área era 288 hectares e a produção não passava de 800 litros/dia com um rebanho mestiço”, conta o atual gerente-geral, Antonio Carlos de Sordi Sobreira. Já o gerente Soriano começou a trabalhar em uma estrutura maior. “Em 1994, quando cheguei, as vacas já rendiam a média de 22 litros/dia e a produção total era de 5.000 litros/dia.
O sonho do ‘seu’ Lair era chegar a 10.000 litros/dia”, lembra. Lair se notabilizou entre os funcionários por fixar metas e trabalhar para cumpri-las passo a passo. Por volta de 2010, perto de perder 800 vacas em lactação produziam quase 30.000 litros/ dia. Naquela época, conta Soriano, a fazenda chegava ao limite de seu suporte. O preço do leite não estava bom e a concorrência tirava o pé do acelerador. Foi aí que Lair Souza decidiu acelerar. Totalizando investimentos da ordem de R$ 40 milhões, instalou uma nova estrutura, desta vez toda integrada, a qual é possível percorrer sem sair do sistema. O investimento envolveu também um novo laticínio, com capacidade para processar até 10.000 litros/hora (o dobro do anterior); uma sala de ordenha em sistema carrossel com capacidade para 72 vacas simultaneamente e um enorme galpão tipo free stall, com 25 mil metros quadrados de área coberta. Nele há um sistema de ventilação cruzada, que garante temperatura inferior à externa, dificilmente superando a casa dos 22 graus. A estrutura abriga as 1.750 fêmeas em lactação, que só deixam o ambiente duas vezes ao dia, na ordenha.
A modernização estrutural garantiu condições para a expansão. “Tivemos que ampliar o rebanho para que os resultados viessem. Em 2012 fizemos a nossa última compra de animais: 250 vacas PO, adquiridas no Paraná. Como construímos um projeto e precisávamos atingir um potencial máximo, trabalhamos dois anos descartando 24% do rebanho/ano, índice baixo para uma fazenda de alta performance. Em 2015 atingimos as 1.750 vacas em lactação e o descarte subiu, no ano seguinte, para 30%. Agora, em 2017, queremos descartar 32%, procedimento que nos permite manter um rebanho mais saudável e econômico, garantindo menor custo e maior produtividade”, conta Soriano. Todo o trabalho foi feito projetando atingir uma produção de 60.000 litro/dia até 2016. “Mas isso já aconteceu em 2014, o que nos permitiu fixar uma nova meta de 70.000 litros/dia, atingida em 2016. Em setembro do ano passado, batemos em 74 mil litros”, conta o gerente.
Mas o patriarca Lair Souza não viveu para ver este recorde, vindo a falecer em janeiro de 2015. Sua fama de empreendedor no segmento, porém, ecoava no País. O ápice veio em 2013, quando a Colorado atingiu uma produção de 53.000 litros/dia. A partir de então ele passou a ser chancelado pela pecuária brasileira como o “rei do leite”.
Depois de comandar os negócios da família por mais de 50 anos, Lair deixou para a família a responsabilidade em tocar toda a estrutura produtora de leite instalada na Fazenda Colorado I e um gigantesco patrimônio em laranja, formado por lavouras em sete propriedades (incluindo parte da Colorado I e as demais em um raio de até 100 km da primeira) que produzem 4,5 milhões de caixas/ano; duas indústrias aptas a moer 12 milhões de caixas/ano e uma grande demanda para exportação de suco concentrado.
Hoje a condução das atividades fica a cargo do Conselho de Administração da Grupasso (holding que controla os negócios da família), formada pela viúva, Maria Pasetti de Souza, e pelos quatro filhos: Regina Maria, Célia Maria, Luiz Antonio e Carlos Alberto.
A modernização da Fazenda Colorado nos sete últimos anos gerou um ambiente menos impactante para os animais e, aos poucos, foi contendo a forte oscilação de produtividade que ocorria entre o verão e o inverno. A comida no cocho era a mesma o ano inteiro, mas até por volta de 2015 a produtividade média de 38 litros/vaca caía para 32 litros/vaca/dia entre novembro e março. “São os meses mais quentes e úmidos. O stress calórico era grande e a performance das vacas diminuía. Elas gastavam boa parte do que comiam para se manterem vivas, tentando perder calor. Eram cinco meses ao ano em que perdíamos 6 litros/vaca/dia. Com as estruturas climatizadas e dotadas de regulagem de fotoperíodo, isso mudou, permitindo uma produção mais estável e linear. Atualmente, no pique do verão, a média não fica abaixo de 37,5 litros/vaca/dia”, explica Soriano.
Quando fala em fotoperíodo, o gerente de Pecuária se refere ao sistema de iluminação interno dos galpões, que, dependendo da regulagem, dá a sensação de prolongamento do dia ou da noite. No galpão da maternidade, por exemplo, inaugurado em 2010 para até 200 animais, as vacas ficam em um ambiente de 16 horas/dia em mínima luminosidade. “O ambiente mais escuro aumenta a sensibilidade do animal à prolactina, hormônio que estimula a produção de leite pelas glândulas mamárias”, esclarece.
Outro pilar do sucesso da Colorado é a comida farta, constante e padronizada oferecida aos animais. “Temos uma rotina bem sólida no processo nutricional. A orientação é evitar ao máximo substituir qualquer item da dieta por outro. Assim mantemos o padrão e o sabor do leite”, diz Soriano. A dieta básica da fazenda é alicerçada em volumoso (silagem de milho e pré-secado de capim), caroço de algodão, polpa cítrica, farelo de soja, milho moído e um grupo de minerais e gorduras, liderado pelo óleo de palma. “Apesar de ser mais caro do que outros óleos, ele tem a vantagem de não interferir prejudicialmente no sabor da gordura. Muitas empresas compram nosso leite para fazer chantilly e havendo mudança na gordura pode não dar ponto”, observa o gestor.
A dieta da maternidade é voltada para conter a hipocalcemia (baixo teor de cálcio no sangue – doença comum em vacas leiteiras de alta produção, geralmente surgindo entre 24 e 48 horas após o parto). É mais rica em fibras e menos energética. Usa-se como base a palha de trigo e um feno um pouco mais passado. Já as bezerras (todos os machos são descartados) só terão acesso às dietas após 120 dias de vida. Ao nascerem são separadas da mãe e recebem o colostro via sonda ou mamadeira. Em seguida, já a partir do primeiro dia, recebem leite, água e um pouco de concentrado. São de 6 a 8 litros de leite/dia para cada animal, até completar 60 dias. Gradualmente vai se aumentando o fornecimento de concentrado e reduzindo o leite. Geralmente aos 80 dias de vida o leite é retirado e a bezerra fica uma semana em uma gaiolinha, comendo apenas concentrado no volume de até 3 quilos/dia. Dos 80 aos 120 dias ela passa por uma dieta de transição para só então mergulhar no pré-secado e na silagem de milho. Mesmo após os 120 dias de vida, o concentrado ainda é oferecido ao longo de uma semana.
“Esta passagem mais gradativa de fase nutricional, garante um preparo ruminal melhor. Não fazendo isso, corremos o risco de o animal perder peso nos primeiros dias da transição”, avisa Soriano. A genética é outro sustentáculo da Colorado e passou também por adequações. Em 2009 a fazenda solicitou um plano genético para a Alta Genetics, empresa de Uberaba, MG. O foco era ter mais vacas no rebanho com vida produtiva eficiente, saúde e alta produção. Assim, foram colocados pesos distintos (pressão de seleção) para cada item a ser trabalhado: 40% em produção; 50% em saúde e 10% em conformação. “Até então a relação era de 30%, 40% e 30%, respectivamente, ou seja, não havia foco”, lembra o gerente.
A partir daí, tanto Soriano quanto Sobreira, o gerente- geral, passaram a trabalhar a genética em cima de grande grupo de animais e não de indivíduos. “Produtividade se faz com rebanho e não com um animal. Não funciona escolhendo touro para determinada vaca. E, para trabalhar dessa nova forma, em alta escala e sem conhecimento, seria um risco muito grande fazer por conta própria”, observa o gerente de Pecuária. O atendimento técnico hoje é dado diretamente pelo gerente de Produtos Leite importado da Alta Genetics, Fábio N. Fogaça. Apesar de contratar a consultoria, os gestores não abriram mão da diversidade de fornecedores e até hoje adquirem genética de várias centrais. “Antes havia um número maior de vacas defeituosas e com uma série de problemas. Hoje isso caiu muito. O rebanho é mais equilibrado, uniforme em estatura, qualidade de úbere e na produção de leite. Diminuímos custos com doenças, problemas de cascos e úberes caídos. Em um ranking de zero a dez estamos com uma nota oito. Está bom, mas ainda há o que melhorar”, avalia Soriano.
O coordenador-geral da Colorado não esconde a satisfação em trabalhar em uma fazenda reconhecida há alguns anos como a maior produtora de leite do Brasil, mas garante que tanto os funcionários gestores quanto os proprietários da fazenda sabem que este título deve mudar de dono em poucos anos. “Há alguns bons projetos em ascensão no Brasil. Seremos certamente superados em volume, mas não em qualidade e efetividade. Para qualquer ampliação temos um grande limitador que é a água, obtida de poços artesianos. Hoje estamos em um limite de demanda de 1,2 milhão de litros/dia. Não podemos pensar em elevar o rebanho se não tivermos mais água”, avisa Sobreira. “Precisamos de pelo menos 2 milhões de litros de água/dia no total para ter tranquilidade em expandir a produção de leite”, completa.
Caso consigam ultrapassar esta barreira, outras metas já estão traçadas. Além da produção atual de leite A integral, magro, light e sem lactose, o próximo passo previsto é o processamento de subprodutos, dentre os quais queijo frescal e bebida láctea. “Tudo com a chancela e qualidade premium Xandô”, garante o coordenador.
*Matéria originalmente publicada na edição 83 da revista Mundo do Leite.
Fonte: Portal DBO

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Así lo expresó Domingo Possetto, secretario de la seccional Rafaela, quien además, afirmó que a los productores «habitualmente los ignoran los gobiernos». Además, reconoció la labor de los empresarios de las firmas locales y aseguró que están «esperanzados» con la negociación entre SanCor y Adecoagro.

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