Exames sorológicos apontam que não há mais vírus da aftosa circulante no Brasil.

Por Marina Salles
A pós conquistar o status de livre de febre ato sa com vacinação, o Brasil se prepara uma nova e decisiva etapa: a retirada desse “es– cudo imunológico” em todo o território nacional até 2023. O plano estratégico que norteará esse caminho demandou sete anos de trabalho e tem como lastro estudos soro-epidemiológicos realizados pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) em mais de 500 milhões de animais, confirmando a ausência de atividade viral no País. A retirada da vacinação começará pelo Acre e Rondônia, em 2019, mas, segundo Guilherme Marques, diretor do Departamento de Saúde Animal do Mapa, ela não representa o fim da guerra contra a doença, mas uma etapa de consolidação. “A vigilância deve ser eterna”, sentencia, inclusive porque os países declarados livres de aftosa pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE) precisam prestar contas à entidade anualmente sobre a situação do seu serviço sanitário (quadro de profissionais, infraestrutura e eficiência no atendimento a suspeitas).
Divididos em cinco blocos, com três datas para fazer a retirada da vacinação – maio de 2019 (Bloco 1), junho de 2020 (Blocos 2 e 3) e junho de 2021 (Blocos 4 e 5) –, os Estados estão se mobilizando para cumprir a meta estabelecida pelo Ministério, cujo cumprimento depende dos governos estaduais, órgãos de defesas sanitária, setor privado e produtores rurais. Procurados por DBO, os representantes classistas dos principais Estados pecuários do País não demonstraram rejeição ao plano do Mapa para retirada da vacina, que lhes parece bem fundamentado e seguro, mas admitiram certa apreensão com o cronograma, dadas as dimensões do País e seu rebanho bovino: 219 milhões de cabeças, espalhados por um território com 8,5 milhões de km², que tem 15.735 km de fronteiras terrestres com 10 países da América do Sul.
Francisco Manzi, diretor-técnico da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), afirma que os produtores sentem receio porque a vacina é tida como uma barreira à propagação da doença. “Há quem contra-argumente dizendo que não temos foco de aftosa no Mato Grosso há 22 anos, mas, fazendo uma analogia com a segurança pública, em uma cidade onde não há registro de assaltos, é o mesmo que derrubar o muro das casas. Se o perigo voltar, você está vulnerável”, diz Manzi. Guilherme Marques entende ser legítima a preocupação do produtor, porém lembra que o País precisa avançar. Antônio Camardelli, presidente da Associação das Indústrias Exportadoras de Carne (Abiec), concorda. “Somos 100% favoráveis à retirada da vacinação. Alguns países já manifestaram interesse em ampliar as compras depois que recebermos o certificado de livre de aftosa com vacinação. Imagine se fôssemos livres sem vacina. Caso acessássemos apenas 5% do mercado composto pelos 10 países que hoje não compram nossa carne por não termos esse status, dentre eles Indonésia, Coreia do Sul, Taiwan e Japão, poderíamos faturar US$ 1,2 bilhão a mais por ano”.

Linha de frente

Enquanto o debate se desenrola, membros do Bloco 1 (Rondônia e Acre), cujo rebanho soma 17,2 milhões de cabeças, se preparam para realizar as 101 ações propostas pelo Ministério, após auditoria realizada na região. Fabiano Alexandre dos Santos, gerente da Agência de Defesa Sanitária Agrossilvipastoril de Rondônia (Idaron), que tem 803 servidores, informa que o Estado recebeu 31 recomendações de melhorias, dentre elas o aperfeiçoamento do cadastro das propriedades (trabalho que será concluído até o final do ano), e um maior controle de trânsito animal, feito por meio do realocação de parte da equipe hoje envolvida com as campanhas de vacinação. Considerado imprescindível por Guilherme Marques, o mapeamento das propriedades e suas vias de acesso é ponto-chave nessa nova etapa do Pnefa. Já Ronaldo Queiróz, presidente do Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Acre (Idaf), diz que a principal tarefa do Acre, neste momento, é fortalecer suas equipes de defesa sanitária, com novas contratações e treinamentos.
Para respeitar a lógica de comércio na região, municípios da divisa com Mato Grosso e Amazonas também devem ser incorporados à área prevista para retirada da vacinação. Guilherme Marques explica que o trabalho agora é “micrométrico”, para identificar cada rio, montanha e estrada vicinal nas fronteiras, a fim de criar um aparato de fiscalização seguro, além de menos oneroso possível. O cenário nessa região, segundo ele, é positivo. “Na divisa da Bolívia com Rondônia, temos a barreira física dos rios Guaporé e Mamoré; temos fiscalização do Ministério com lanchas e aviões; temos um trabalho de anos vacinando animais dentro do território boliviano, em um raio de 150 km. Já o Acre faz fronteira com a região do Pando boliviano e Puerto Maldonado, no Peru, áreas com poucos animais e que já deixaram de vacinar”.
*Você pode ler as primeiras matérias da série ‘Brasil supera a febre aftosa’ nos links abaixo:
Parte I
Parte II
Parte III

 http://portaldbo.com.br/parar-de-vacinar-eis-a-questao/