Liberdade para os queijos

A permissão para o transporte de derivados do leite e embutidos em avião foi a melhor notícia dos últimos anos
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A gloriosa Sophia Loren chega ao aeroporto de Nova York. Está feliz da vida porque, depois de quatro anos de separação, vai se casar com o noivo Gigi Proietti. Traz nas mãos a enorme mortadela que ganhou de presente dos ex-colegas da fábrica na Emilia-Romagna. Não sabe que a legislação proíbe que se entre nos EUA com derivados de carne. Recusa-se a abrir mão da mortadela e é detida pelas autoridades.

Este é o ponto de partida de “La mortadella” (1971), de Mario Monicelli, diretor de memoráveis comédias, como “O exército Brancaleone” e “Meus caros amigos”. O nome do filme nos EUA foi “Lady Liberty”. O cartaz mostrava Sophia caracterizada como a Estátua da Liberdade. Adequado. O choque de realidade que a sua personagem — cujo saboroso nome era Maddalena Ciarrapico — sofrerá não se restringirá ao Sonho Americano. Proietti — ou, na trama, Michelle Bruni — também a decepcionará.

Desde minha primeira viagem ao exterior, a trabalho, justamente para a Itália, quase três décadas atrás, jamais deixei de pensar em Sophia ao pousar no Galeão. Uma lei dos tempos de Vargas proibia que pessoas físicas entrassem no Brasil com derivados industrializados de carne e de leite. Proibia, pretérito imperfeito. No último dia 10, em um de seus últimos atos, a ex-ministra da Agricultura Kátia Abreu assinou instrução normativa que liberou a mortadela, o salame e outros embutidos de duplo sentido, além dos derivados de leite. Desde que, por viajante, não excedam dez quilos, aqueles, ou cinco quilos, estes, e venham acondicionados na embalagem original, devidamente rotulada.

Na boa, foi a melhor notícia que o Brasil me deu nos últimos três ou quatro anos. Liberaram os queijos. Sou um rato. Depois de suar por uns tempos no Rio de Janeiro, um bisavô paterno decidiu se estabelecer num lugar mais frio, que lembrasse um pouco a sua cidade natal: Udine, província de Friuli-Venezia Giulia, no extremo nordeste da Itália. Escolheu Barbacena, na Serra da Mantiqueira, a mais de mil metros de altitude. Lá não chegava a nevar, mas lembro da geada das minhas férias de meio de ano. Meu bisavô teve um pequeno hotel. Depois, dois filhos homens foram sócios de uma padaria. Dela, a cada final de jornada, meu avô trazia pães e queijos. Viciei-me cedo. Certa vez, fui parar num médico local, com um tremendo piriri. Diagnóstico: excesso de queijo.

Desde a infância, portanto, aprecio os produtos brasileiros, os inúmeros tipos de queijo de Minas, o coalho nordestino, os requeijões cremosos… Porém, para um rato, o mundo é muito maior que o Brasil. Conforme fui deixando de ser a criança enjoada para comer que vivia à base de bife com fritas, quase nada mais, passei a experimentar um pouco de tudo. Não titubeio diante de escargots à provençal, mas anseio mesmo é pelos queijos ao fim da refeição. Na verdade, minha preferência sempre recai sobre pratos que sejam de ou que incluam algum tipo de queijo. Não importa como. Traço até provolone à milanesa. Apesar das acusações de George W. Bush, não há comprovação de que Saddam Hussein mantivesse grandes porções estocadas sob o deserto do Iraque.

Assim sendo, nunca entendi direito por que não podia trazer na bagagem uma boa fatia de queijos italianos, portugueses ou franceses. Também nunca paguei para ver, nunca os escondi entre meias usadas, nada disso. Não só porque sou um cidadão obediente às leis e às instruções normativas. Comovia-me ouvir relatos de viajantes que, no aeroporto, eram obrigados a se despedir de seus queridos Montasio, Serra da Estrela ou Saint-Nectaire diante de fiscais impassíveis. Há coisas que nos revoltam, ora bolas.

Felizmente, agora esse pesadelo faz parte do passado. “A legislação brasileira que tratava do tema é de 1934”, declarou o secretário de Defesa Agropecuária do Ministério da Agricultura, Luís Rangel, à repórter Eliane Oliveira, em Brasília. “Na área animal, era tudo do mesmo balaio. Cabeça de frango estava no mesmo pacote de doce de leite e bacalhau salgado. De lá para cá, o mundo todo avançou.” Diante da excelente notícia, num primeiro momento ainda pensei em entrar com uma ação por danos morais contra o Estado brasileiro. Afinal, foram três décadas sem trazer queijos na bagagem a troco de nada. Atinei, então, que a nossa Justiça já tem bastante o que fazer.

Na mesma entrevista do início do mês, o secretário explicou que, para poderem concentrar a fiscalização agropecuária em ameaças reais de contaminação, vários países adotaram regras idênticas para alimentos industrializados, pois o risco que tais produtos trazem é insignificante. Entre estes países, estão os EUA. Ou seja, hoje em dia, Maddalena Ciarrapico poderia viajar com o seu salame sem medo de ser presa. Sorte dela, fico feliz, mas Mario Monicelli teria de procurar outro roteiro para a comédia.

http://oglobo.globo.com/cultura/liberdade-para-os-queijos-19382220

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Así lo expresó Domingo Possetto, secretario de la seccional Rafaela, quien además, afirmó que a los productores «habitualmente los ignoran los gobiernos». Además, reconoció la labor de los empresarios de las firmas locales y aseguró que están «esperanzados» con la negociación entre SanCor y Adecoagro.

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