A compra da Itambé deu à francesa Lactalis a liderança do mercado de lácteos no País. Mas, antes de comemorar a conquista, a empresa terá de superar uma intrincada disputa judicial
Não se trata de um mero discurso. Aprovada pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) há duas semanas, a operação faz a Lactalis saltar de uma participação de mercado de 8% para 14,5%, e sua produção de leite sair de 1,6 bilhão de litros por ano para 2,7 bilhões de litros. Esses números a colocam na liderança do segmento no País, à frente dos 13,3% da Nestlé, segundo dados da consultoria Euromonitor. O negócio cria também uma nova gigante do setor, com uma receita estimada em R$ 6 bilhões. O clima, no entanto, não é de comemoração. Isso porque, na prática, o grupo francês comprou, mas ainda não levou. A aquisição está sob risco de ser cancelada em razão de uma disputa judicial com o grupo mexicano Lala.
O caso é intrincado. A Vigor, que era controlada pela J&F, detinha 50% da Itambé. A fatia restante pertencia à CCPR. Quando a Lala comprou a Vigor, em agosto do ano passado, por R$ 5 bilhões, ela fez também uma proposta para arrematar 100% da Itambé. Mas uma cláusula no acordo de acionistas permitia a uma das sócias igualar o valor da oferta. Foi o que fez a CCPR. Por R$ 600 milhões, ela assumiu o controle da Itambé em 4 de dezembro de 2017. Mas, no dia seguinte, ela vendeu a operação para a Lactalis. Essa transação é o pomo da discórdia. A Vigor alega que sua ex-sócia teria descumprido o acordo de acionistas, ao negociar, nos bastidores, a transação com o grupo francês. A Lactalis, por sua vez, tinha participado do processo de venda da Vigor e perdido o negócio para a Lala. Na ocasião, a Lactalis teria assumido o compromisso, fechado por todos que entraram na disputa, de não fazer nenhuma proposta pelos ativos da Vigor em um prazo de dois anos, o que incluía a Itambé. Com o negócio, esse acordo teria sido desrespeitado pela Lactalis.
Esse imbróglio motivou uma série de liminares entre as partes. E, ao que tudo indica, está longe de um desfecho. O caso está nas mãos da Câmara de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça de São Paulo e existe a possibilidade de uma decisão final ser tomada apenas na esfera da arbitragem – o prazo médio estimado é de dois anos. Até a decisão, a Lactalis não poderá assumir a gestão da Itambé. Procurada, a Vigor informou que não iria se manifestar. A Itambé, ainda sob controle da CCPR, não retornou os pedidos de entrevista. Salles, da Lactalis, mostra confiança numa decisão favorável. “Temos teses muito sólidas nos processos relacionados ao caso e acreditamos na Justiça brasileira”, diz o executivo.
A complementaridade é um dos pontos destacados na aquisição. Hoje, a Lactalis está mais concentrada na região Sul do País. Já a Itambé possui cinco fábricas em Minas Gerais e Goiás. “O acordo colocará a Lactalis no centro da maior bacia leiteira do País e dará mais escala para negociar com produtores”, diz Leonardo Freitas, analista da Euromonitor. O consultor da Scot Consultoria, Rafael Ribeiro, complementa que a união das empresas reforçará “o portfólio com marcas fortes no Sudeste e em categorias com margens mais atrativas, como manteiga e requeijão”.
Ansiedade pelos desdobramentos do destino da Itambé à parte, Salles entende que, independentemente de qual seja a decisão, a Lactalis ainda tem muito apetite pelo Brasil. “O mercado de lácteos é muito fragmentado no País e há espaço para outros movimentos”, afirma o executivo. Um exemplo disso são os investimentos de R$ 150 milhões para a operação brasileira em 2018. O montante segue o mesmo patamar do ano passado. Para fechar essa equação, a empresa vem modernizando parte das 15 fábricas que possui no País, buscando aumento de produtividade. E tem ampliado a produção local, que hoje cobre 80% do portfólio disponível para os consumidores brasileiros.
Um exemplo nessa direção foi dado na semana passada. A empresa inaugurou duas novas linhas de produção na unidade gaúcha de Teutônia. Com capacidade de 500 toneladas por mês, a primeira delas fabricará manteigas, com destaque para uma linha premium, da marca Président. A estimativa é a de que o produto, carro-chefe do grupo na França e até então importado no Brasil, tenha uma redução no preço de 30% no País. A outra linha será de leites UHT, em garrafas PET, das marcas Parmalat e Elegê. “Queremos reforçar nossas categorias premium. Mas, ao mesmo tempo, tornar esses produtos mais acessíveis”, diz Salles.
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