Quase todos os municípios produzem leite: mas será que isso é bom?

Leite - A maioria de nós conhece bem a importância socioeconômica do leite no Brasil, principalmente em função do número de pessoas envolvidas na atividade e do tamanho da cadeia,
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A maioria de nós conhece bem a importância socioeconômica do leite no Brasil, principalmente em função do número de pessoas envolvidas na atividade e do tamanho da cadeia, que movimenta mais de R$ 70 bilhões ao ano.
Outro dado frequentemente utilizado para mostrar a importância socioeconômica do setor (muitas vezes como argumento para justificar medidas de proteção ao governo) é o fato do leite ser produzido em quase todos os municípios do país. Com efeito, dos 5570 municípios, o IBGE mostrou que nada menos do que 5504 deles, ou 98,8%, produziram leite em 2016. Os Estados Unidos, país que possui dimensões parecidas com as nossas, mas quase 3 vezes mais leite, produz em 51,9% dos seus 3144 condados (unidade administrativa que pode conter mais de um município).
Dada a flexibilidade de se produzir em diferentes condições climáticas, muitas vezes a partir de sistemas de produção distintos, é natural que a produção de leite tenha uma abrangência geográfica maior do que, por exemplo, a produção de café, que ocorre em apenas 27% dos municípios.
Mas até que ponto isso é positivo para o setor, do ponto de vista da eficiência da cadeia? É correto nos orgulharmos do fato de quase 99% dos municípios produzirem leite, ainda que 1034 deles ou 18,5% produzam menos de 1000 litros/dia? O setor teria a ganhar mais caso a produção fosse mais concentrada? Há, por fim, um processo de concentração geográfica ocorrendo no país?
Em artigo de 2013, discuti mais profundamente as vantagens da atividade ser desenvolvida em “clusters” produtivos (aglomerações produtivas), e podemos revisar alguns dos conceitos abordados naquela ocasião.
Em regiões ou municípios com alta concentração de produtores (e de produção), tende-se a ter maior oferta de serviços de qualidade. Faz sentido considerar que as melhores revendas de ordenha, por exemplo, estejam em cidades com alta densidade de produção e não em um destes municípios que produzem muito pouco leite. Veterinários, zootecnistas, prestadores de serviço em colheita terceirizada de volumosos, e por aí afora, tendem a ser encontrados em maior número e certamente maior qualidade média em uma região especializada, onde há maior mercado, do que em regiões onde não há produção significativa.
Também, se você estiver procurando mão de obra para leite, é quase que certeza que encontrará oferta maior e melhor nas aglomerações produtivas, em comparação com municípios sem tradição e relevância na atividade.
Do lado da comercialização, é bastante provável que você tenha mais opções de venda do produto (e talvez, mas nem sempre, maior preço) em locais com maior densidade de leite, em função da maior concorrência, da existência de mais fábricas e de vantagens logísticas.
Nesse aspecto, a alta concentração traz vantagens importantes de custos. Enquanto neozelandeses captam 300 kg de leite por km rodado, dados informados por laticínios no Brasil sugerem valores médios 10 vezes menores, ainda que existam empresas mais eficientes, mas ainda assim bem abaixo dos padrões neozelandeses. Esse custo, evidentemente, acaba sendo absorvido pela cadeia, piorando a rentabilidade de produtores e indústria.
Assim, ao invés de ser motivo de orgulho de nossa relevância como cadeia, o fato do leite ser produzido de forma ineficiente geograficamente deveria ser motivo de preocupação, se o objetivo final for ganhar competitividade, isto é, melhorar a nossa capacidade de produzir produtos de qualidade, a custo competitivo, e ainda assim remunerar indústrias, produtores e prestadores de serviço.
Devemos esperar uma mudança nessa característica? Será que estamos assistindo a um processo de concentração geográfica do leite, criando enfim clusters produtivos? Os dados do IBGE, colocados no gráfico 1, mostram que há, de fato, um processo de concentração na produção de leite em curso, principalmente nos últimos 10 anos. Os 100 maiores municípios produtores produziam em 1986 cerca de 18,1% do leite brasileiro; em 2016, o número subiu para 19,8%, um aumento de 9,4% na participação. O estrato dos 50 maiores produtores cresceu proporcionalmente ainda mais: de 11% para 12,6%, um aumento relativo de 13,7%. Por fim, os top 20 produziram 6,7% do leite no ano passado, contra 5,5% em 1986, um aumento de 20,7% em sua participação.
Gráfico 1. % do leite produzido nos 20, 50 e 100 maiores municípios produtores de leite no Brasil (Fonte: Pesquisa Pecuária Municipal – IBGE, 2017)

É muito provável que o crescimento do leite na região Sul nas últimas décadas, notadamente no Noroeste do RS, no Oeste de SC, no Oeste/Sudoeste do PR e na região dos Campos Gerais, no Paraná, tenha hoje como um dos motores a estruturação de clusters produtivos, em um processo autoalimentado: quanto mais uma região se especializa na atividade, mais verifica novos aumentos da produção, a ponto de o próprio cluster ser mais importante como motor do crescimento do que outros fatores como condições naturais, socioculturais ou organizacionais que levariam a vantagens competitivas. No caminho inverso, regiões que perdem continuamente produção acabam por perder competitividade, em um círculo vicioso.
Figura 1. A concentração da produção no Sul do país (Fonte: IBGE/Embrapa Gado de Leite)

É difícil dizer se as mudanças na concentração geográfica do leite são significativas sem que sejam comparadas com exemplos de outros países que passaram por processo semelhante, o que está além dos objetivos neste artigo. Porém, é seguro afirmar que a produção ainda é pouco concentrada no país.
Vejamos novamente o exemplo dos Estados Unidos. Apenas 59 condados (1,87% do total) são responsáveis por 50% da produção norte-americana. Os 1,87% principais municípios produtores no Brasil – 104 municípios, produziram somente 20,5% do leite brasileiro. Nos EUA, 13 condados (0,41%), produziram em 2016 nada menos do que 25% do leite do país. Os 0,41% maiores no Brasil produziram 7,4% do leite. O campeão norte-americano – o condado de Tulare, na Califórnia, produziu sozinho mais de  5% do leite norte-americano, quase 20 vezes mais do que nosso campeão, a cidade de Castro (PR), que foi justamente homenageada com o título de Capital Nacional do Leite no fim do mês de dezembro.
Não é sinal de força o fato de 99% dos municípios brasileiros produzirem leite. É, pelo exposto neste artigo, muito mais uma fraqueza do setor lácteo. Não faz sentido todos os municípios produzirem leite, nem tampouco políticas públicas que estimulem a produção em áreas que não tenham aptidão para a atividade.
Espera-se que o processo de profissionalização da cadeia do leite, sem dúvida em curso, crie clusters mais robustos de produção de leite, aumentando a eficiência da cadeia como um todo. E parabéns a Castro, a Capital Nacional do Leite!

MARCELO PEREIRA DE CARVALHO

https://www.milkpoint.com.br/colunas/marcelo-pereira-de-carvalho/quase-todos-os-municipios-produzem-leite-mas-sera-que-isso-e-bom-206425/

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Así lo expresó Domingo Possetto, secretario de la seccional Rafaela, quien además, afirmó que a los productores «habitualmente los ignoran los gobiernos». Además, reconoció la labor de los empresarios de las firmas locales y aseguró que están «esperanzados» con la negociación entre SanCor y Adecoagro.

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